*
*

 

 

*   
*
*
*
*

 

     

 

" A PRECIOSA DÁDIVA DIVINA "

(conto)

 Fátima  Queiroz

                   Aquele dia tão aguardado pelos trabalhadores desse imenso país tinha chegado para Ivan, um velho sexagenário paulistano. Após uma gloriosa jornada de labutas, de muitas madrugadas sonolentas, correndo contra o tempo, na eterna preocupação de não perder a hora, o emprego e manter na mesa o pão de cada dia, nesse amargo e sofrido cotidiano da existência humana, chegara finalmente o dia de sua aposentadoria, um minguado benefício, que mal lhe permitiria sobreviver.

                   Não podia parar de trabalhar, pois a aposentadoria só servia para pagar o aluguel. Era preciso continuar, sabe-se lá Deus até quando... até o dia que alguém o julgasse senil demais para o exercício de sua profissão em uma multinacional  suíça  de  São  Paulo.

                   E este dia chegou, na véspera do Natal de 1996, na forma de uma lacônica carta, que em poucas palavras informava que, a partir daquele momento, seus serviços profissionais estavam sendo dispensados, sua carreira tinha chegado ao fim, após quase 35 anos de trabalho ininterrupto e de muitos sonhos desfeitos. Contingências da vida, disseram tentando justificar o ato implacável e desumano de demitir um funcionário na véspera do Natal. Poderiam, ao menos, esperar que as Festas passassem  e dar a notícia no começo do ano. Seria mais humano. 

                   Ivan sentiu o amargo sabor da rejeição de uma sociedade, que ainda não se acostumara com a incômoda presença de um grande número de idosos inativos, que na sua opinião só serviam para atrapalhar as pessoas jovens e mais ativas, preocupadas em achar um emprego para ganhar seu sustento e inconformadas em ter de aturar pessoas tão "inoperantes" e "vazias" em seus objetivos de vida.      

                   O velho aposentado sentia como se fosse um pesado fardo nas costas do Governo, que não sabia como sustentá-lo, diante de tantas crises previdenciárias e espera que ele parta rápido, dessa vida para uma melhor, dando lugar a um outro aposentado.  O único consolo do velho Ivan era sua fiel companheira de lutas e agruras,  Fátima, que o aconselhava a não ser tão negativo e pessimista com a vida.

-   "De  repente,  me  sinto  inútil,  um  velho  objeto  descartável,   que é rejeitado e jogado no lixo, após longo tempo de uso. Foi o Natal mais triste da minha vida" - Disse sentindo as obstinadas lágrimas querendo molhar-lhe a face.

-   "Não fale assim, que Deus castiga. As coisas vão melhorar, você vai ver. Tudo é possível".

-  "Possível como? Onde estão as possibilidades? – Indagou  Ivan.

-  "As possibilidades estão aqui" – Respondeu Fátima apontando para a cabeça - "É só querer, ter fé e agir".

-  "Não é tão fácil assim, a vida de um aposentado é triste e seu futuro incerto".

                   Murmurou cabisbaixo Ivan.

                   Deve ser assim que os aposentados se sentem quando são afastados do mercado de trabalho, após uma vida inteira dedicada a certos patrões insensíveis, que só pensam nos lucros de suas empresas e transformam seus empregados idosos em seres descartáveis e inúteis, na sua concepção, para o crescimento de suas empresas. A experiência de muitos anos de trabalho pouco vale dentro do contexto do mercado globalizante, onde a máquina tem um papel de maior destaque, em detrimento do trabalho humano, cada vez mais rejeitado, o que está aumentando assustadoramente as cifras dos desempregados, percentuais nunca vistos através da História, principalmente no Brasil.

                   Conformado pela esposa, Ivan não esmoreceu, mudou-se para São Vicente, na Baixada Santista, onde comprou um pequeno apartamento, livrando-se assim do famigerado aluguel e atirou-se de corpo e alma a novos afazeres, que os mantivessem o tempo todo ocupados, por exemplo,  cuidar de pessoas carentes de atenção, amor e carinho, palavras tão desprezadas hoje em dia num mundo obcecado em suas conquistas bélicas. Os dois velhos aposentados abraçaram a causa de tornar o mundo um pouco melhor, dentro de sua comunidade e trazer um pouco de paz e solidariedade cristã às pessoas carentes.

                   Durante muitos anos, além de suas atividades profissionais exercidas na ativa, dedicavam suas horas de folga às artes cênicas e acabaram se tornando profissionais. Sentiam grande prazer em escrever textos, montar e representar peças teatrais e agora aposentados e com tempo livre, em  2001 passaram a trabalhar como voluntários numa instituição para deficientes visuais (Instituição Braille de Santos), onde estabeleceram uma oficina especial de teatro, onde escreviam e montavam performances, que pudessem trazer um pouco de lazer e resgatar a cidadania e a auto-estima dos alunos. Trabalho gratificante, que transformava seus alunos em amigos ansiosos em realizar um bom trabalho, em pról da entidade, que os acolheu e os amparou nas imensas dificuldades do cotidiano de um deficiente visual.

                   Ivan e Fátima só tem de agradecer a Deus, que os despertou para uma realidade que ignoravam. Descobriram que existem pessoas com problemas muito mais sérios que os seus e estes são míseros grãos de areia,  em comparação com as enormes pedras que a humanidade tem de carregar.

-  "Não  falei  pra  você  que  as  coisas vão melhorar" – Confidenciou Fátima com um   sorriso   cativante   –    "Aqui   estamos   ajudando   muitas pessoas   a recuperarem  sua  cidadania  e  auto-estima  perdidas  na  insensibilidade da vida".

                   A vida deixou de ser vazia e tornou-se mais atraente aos olhos dos que não esperavam nenhuma perspectiva de um futuro mais promissor, nessa vereda final de suas existências. Pelo menos, o trabalho servia para afastar as crises existenciais negativas. Quem trabalha, não tem tempo de pensar na morte. As preces de Ivan e Fátima por um mundo melhor foram ouvidas quando, comovidos, receberam um convite para participarem como atores e autores de uma encenação teatral sobre a Paixão de Cristo (Jesus, os Últimos Dias) que foi realizada ao ar livre em 2003 no clube Saldanha da Gama em Santos, reunindo 150 atores. Foi uma imensa e comovente homenagem ao nosso Cristo Salvador, onde se procurou dar ênfase a tão sofrida e esperada PAZ, que o mundo, mergulhado em guerras, tanto anseia e vê aflito como é difícil conquistá-la. O povo precisa de mais eventos como esse, que fale de Amor, solidariedade e paz, nos conturbados dias de nossa Era, buscando sempre a Luz Divina.

                   É preciso reencontrar Deus nessa nossa busca desesperada de descobrir um motivo para viver com dignidade os anos que nos restam de vida e Fátima encontrou em 2013 na Sukyo Mahikari uma resposta para seus anseios, quando após um seminário, começou a fazer a imposição das mãos e descobrir e amenizar através da purificação espiritual problemas de dezenas de pessoas  - a melhor maneira de ser solidário e cortês com os que nos cercam e sempre com um sorriso nos lábios, para poder usufruir essa preciosa dádiva divina e, principalmente, nunca esquecer das palavras de Cristo: "Amai-vos uns aos outros, como eu vos amo". O resto a vida ensina...

Conto literário publicado na XI Antologia Internacional Palavras no Terceiro Milênio da Editora Phoenix de São Paulo, em outubro de 2014, páginas 115 a 118.

 

                 

 

 

                               

<< Voltar 

 

 

_________________________________________

Indique este Site!

Send for friends!

_________________________________________

site: http://ivanfa.mhx.com.br/