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JOÃO MATVICHUC (nome artístico Ivan Matvichuc) – professor com habitação plena para lecionar artes cênicas (curso superior ) – Arte-educador voluntário ligado ao PROLER-BS da  UNISANTA de Santos. Professor voluntário da Instituição Braille de Santos (teatro com deficientes visuais). Ator, dramaturgo, escritor e roteirista de cinema. Participou de várias antologias literárias no Brasil e em Portugal. Premiado em 2007 como melhor ator da Baixada Santista com o filme de curta metragem FRAGMENTOS no Festival CURTA SANTOS.  

“ ENCONTROS E DESENCONTROS ”

                                                      ( conto )  -  João Matvichuc

                   Quanto mais vivemos, mais nos conscientizamos quão efêmera é a nossa existência, sempre cercada de fatalidades, que parecem não nos atingir, mas que acabam ceifando vidas preciosas ao nosso redor. Os amigos vão nos deixando aos poucos e ficamos cada vez mais solitários e saudosos deles. Até que ponto ficaremos imunes, até onde irá a vereda de nossas vidas? São perguntas que dificilmente encontrarão respostas, pois a vida é uma grande incógnita, uma esfinge grega, que nem mesmo Édipo conseguiria decifrar.

                   As figuras mitológicas gregas levam-nos a refletir que a tão apregoada fatalidade, que segundo eles, se encontra inserida no Livro do Destino tem seu curso pré-determinado e  que nada pode mudar seu rumo: – está escrito, não tem jeito, a tragédia é portanto um acontecimento inevitável e nada podemos fazer para impedir que ela aconteça. Será? Os gregos não estariam sendo muito radicais em suas premonições? De qualquer maneira, preferimos ficar com o que foi estabelecido nas nossas crenças cristãs, onde o destino das pessoas é conduzido por Deus e só Ele sabe o exato momento do nosso nascimento e o último instante, em que damos nosso derradeiro suspiro. Se houver uma alteração dessas regras, cabe ao homem a responsabilidade de seus atos, como no caso dele apressar a sua morte, através do suicídio. A Deus não cabe nenhuma culpa por este ato tresloucado, pois Ele concedeu ao homem o livre arbítrio de conduzir sua vida. Não devemos  esquecer nunca que Jesus morreu para nos salvar e nos redimir de todos os nossos pecados e se temos um destino, esse pertence a Deus e  é  nele que devemos confiar o destino de nossas almas.

                   Esses pensamentos tumultuavam a mente do jovem Johnny, um irrequieto adolescente, que ficava horas e horas matutando, em suas insônias, como seria o exato momento de sua morte, quando teria de partir em sua derradeira viagem,  para onde iria depois de morto e sentia um tremor gélido só de pensar, que um dia desapareceria da face da terra. Isso o deixava incomodado, a ponto de procurar os pais e os avós para que eles elucidassem suas dúvidas existenciais e todos riam dizendo que eram fantasias infantis e que  não deveria  pensar nessas bobagens, todos, exceto uma pessoa, sua velha avó Maria, uma polonesa muito altiva e orgulhosa de suas origens, que escutava sempre em silêncio o que o neto dizia e procurava sempre aconselhá-lo, tratando com muito carinho.

                   Maria casou muito jovem com um garboso oficial e capitão da Marinha Imperial Russa, Eugene Savelieff. O casal era amigo do imperador Czar Nicolau Romanoff, freqüentavam a Corte e por uma fatalidade do Destino (Revolução Russa de 1917), tiveram de abandonar tudo e fugiram com um dos navios da armada, desertando com mais de 300 marinheiros. O navio foi abandonado no porto de Liverpool e seus tripulantes e familiares passaram a viver na clandestinidade. No início dos anos 20 vieram para o Brasil, procurando um destino melhor para suas vidas, principalmente para o pequeno Alexandre, único filho do casal.

               O que aproximava Johnny de sua velha avó Maria era o fato dela ter sido uma  cartomante, que gostava de tirar a sorte nas cartas e parecia adivinhar  o futuro  das pessoas. O jovem sentia uma grande admiração pelos poderes da velha senhora. Ele acreditava, que ela podia adivinhar o seu futuro, podia prever como seria sua vida, prever o exato momento de sua morte e isto era uma coisa extraordinária, que o deixava sobressaltado diante de tanto poder. Ela, realmente era uma sensitiva e sua sensibilidade parecia encontrar guarida nos sonhos do jovem Johnny. Eles se entendiam muito bem e foi num desses momentos mágicos, quando  tirava cartas para o ansioso neto, que fez previsões incríveis sobre o seu futuro. A avó Maria previu, que Johnny teria uma vida muito tumultuada, separada em duas fases distintas: até os 50 anos e depois nos anos subsequentes,  após completar esta idade. Anos de muitos percalços  e situações trágicas, que poderiam pôr em risco sua vida e sua integridade física, o que realmente aconteceu na década de 60, quando ele sofreu três acidentes aéreos (aterrissagens forçadas), em aviões da FAB e quando  escapou milagrosamente da morte, no último acidente ( explosão em Cumbica ), onde toda tripulação morreu, escapando apenas o mecânico e... Johnny.  Não morreu porque  seu destino era viver, pois tinha  uma longa missão terrena a ser cumprida.

                   Previu que ele casaria muito jovem e que esse casamento não seria definitivo, pois sofreria um revés inconciliável. E assim aconteceu, quando descobriu, após 20 anos de casado, um terrível flagrante de traição extraconjugal, surpreendendo a esposa e o amante num estranho e inesperado ritual sexual, difícil de ser visto, difícil  de ser suportado. Tudo isso Avó Maria previu e disse ainda, que ele ficaria sozinho na vida, quando atingisse meio século de sua existência.

                   Suas previsões foram além, quando  preconizou que a vida do neto seria objeto de estranhos acontecimentos seqüenciais, que se relacionariam entre si, nas duas fases da sua vida e que esses acontecimentos o ligariam de uma forma subjetiva à uma mulher, que  passaria também por terríveis problemas conjugais como ele e porisso deveriam se encontrar e se relacionar, pois tinham muito  em comum em suas existências. Essa mulher seria a sua “Alma Gêmea”, seria a pessoa que, por motivos inexplicáveis, não pudera fazer parte da primeira fase de suas vidas, quando eram jovens. São coisas do Destino.

                   De qualquer maneira, as cartas visualizaram situações de encontros e desencontros, como se o Destino estivesse brincando com eles, talvez prenunciando que no início seria impossível uma relação definitiva entre eles, por motivo de força maior, mas no fim ficariam juntos para sempre, unindo seus corações e completando o que ficou faltando na primeira fase de suas vidas.

                   Vamos conhecer um pouco dessas estranhas situações e tentar entender porque  foram passageiras e não definiram uma relação mais profunda entre eles.

                   Em 1956, na capital paulistana, Johnny com 16 anos, era um jovem estudante universitário, que acabou entrando na União Paulista dos Estudantes Secundários e depois na União Nacional dos Estudantes, a famosa U.N.E., no início sem nenhuma intenção política neste engajamento, apenas para tirar a carteirinha de estudante, que lhe daria direito a meia-entrada nos cinemas, mas depois acabou se integrando e se apaixonou pelos ideais, que regiam a vontade política dos jovens daquela época. Ai é que a história se complicou. Participou de vários comícios e congressos estudantis, que quase lhe custaram a vida. No Rio de Janeiro, num famoso encontro da Praia Vermelha, representando São Paulo, foram delatados e o encontro foi dissolvido à bala pelos militares. Todos correram pela praia apavorados e ele, por um milagre, não foi atingido pelas balas. Os outros estudantes, representantes de vários estados brasileiros, também correram  procurando esconderijo e foi nesse exato momento da vida, que Johnny conheceu Fátima, a Fafá, estudante de Manaus, que representava seu Estado nesse Congresso e conseguiu fugir indo parar em Niterói ao lado de ... Johnny, onde, após  uma troca rápida de olhares,  foram cuidar de suas vidas.

                   Anos mais tarde aconteceu um novo e estranho encontro do casal, quando Johnny dando baixa da Aeronáutica, após os acidentes, acabou ingressando na antiga Guarda Civil de São Paulo, depois transformada na Polícia Militar do Estado de São Paulo, com a unificação das polícias em 1970. Trabalhou por muitos anos como policial tradutor e intérprete, boa parte deles numa cabine de informações para turistas, na antiga Rodoviária de São Paulo, na Avenida Duque de Caxias. Certo noite, notou que uma jovem morena, muito bonita, passava defronte a sua cabine. Já notara sua presença nos outros dias. Ela sempre andava muito rápida, sem fixar os olhos em ninguém. Ele sentia que já a conhecia, mas não lembrava de onde,  mas nunca lhe dirigiu a palavra, afinal já  era casado. Muitos e muitos anos após esse encontro ( já vivendo com Fátima ), descobriu  que ela tinha morado perto da Rodoviária e que era ela a Fátima e também a mesma moça de sua tresloucada viagem ao Congresso da U.N.E. O Destino continuava a promover os encontros e os desencontros deles, sem estabelecer nenhum diálogo, pois o momento não era apropriado.

                   Outra situação bastante estranha e inesperada aconteceu durante o incêndio do Edifício Andraus, na Avenida São João, na velha capital paulistana. Johnny estava estagiando no Corpo de Bombeiros e com a catástrofe foi obrigado a integrar uma equipe, no início para debelar o fogo,  e depois para fazer o rescaldo. Foi um momento terrível, quando dezenas de corpos carbonizados foram encontrados nos andares e nos elevadores do edifício. Ele retirava os cadáveres e os conduzia para o andar térreo, onde dezenas de enfermeiras da Cruz Vermelha ajudavam a colocá-los na Ambulância e camburões do Instituto Médico Legal. De repente, do meio delas, saiu uma enfermeira morena e veio em sua direção para ajudá-lo. Ele teve  o pressentimento que já a conhecia.                                  - Quem era? Ora, era a  Fátima, a  Fafá, de seus outros encontros, só que ele não se lembrava. Que coincidência do destino. Novamente se afastaram como se nunca tivessem se encontrado. Nova brincadeira do Destino.

                   Ainda dentro do capítulo das tragédias, com a participação dos bravos bombeiros paulistanos, Johnny sentiu na própria pele as agruras das terríveis enchentes na velha capital bandeirante. Ele teve o dissabor, de tomar conhecimento, numa manhã de Verão, que a sua casinha no velho Glicério tinha sido inundada pelo mal  cheiroso Rio Tamanduatei. Eram freqüentes as enchentes nessa região, principalmente no Mercado Municipal Central, onde as perdas e os prejuízos eram totais. O militar tinha acabado de sair do plantão do Quartel de um batalhão situado no Brás e ao chegar em casa deparou com a desgraça. Chegou de barco, porque era impossível transitar na região. Dois metros de água cobrindo todas as casas. Integrou-se a um grupo de salvamento e lá foi ele em direção à sua casa. Perda total. Só conseguiu salvar, por um milagre da Natureza, seu salário, cujas notas boiavam graciosamente nas águas sujas, que invadiram seu quarto.         A esposa do Johnny tinha ido à feira e não conseguiu voltar ao lar. Ficou abrigada no sobrado de uma família, próximo ao local da enchente.  Ao se afastar de sua casa, na balsa improvisada com barris vazios de combustível, Johnny notou que seu cachorrinho Rex latia por socorro. Apanhou-o em cima do telhado da casa e o colocou na balsa, onde já haviam sido socorridas dezenas de pessoas, uma delas adiantou-se para receber o cãozinho e o cobriu com um velho pulôver.      

- Adivinhe quem era essa pessoa? Nada mais, nada menos que a nossa já conhecida Fátima das outras aventuras. O bichinho tremia de frio e fome, pois tinha passado a noite inteira em cima do telhado. Ela e Johnny trocaram olhares de múltipla simpatia, tentando se lembrar de onde se conheciam, mas o momento impedia qualquer reflexão mais profunda e ficou nisso, o Destino continuava em sua missão de  mantê-los distantes.

                   Os anos passaram e não houve mais nenhum encontro até o ano de 1984, quando Johnny surpreendeu a esposa em flagrante adultério e o desquite foi inevitável. Ele foi morar sozinho numa pensão em Pinheiros e sua vida solitária tomou outro rumo. Não se deixou abater pelos revezes de sua existência, não se acomodou  e partiu para novas atividades, tentando contornar a solidão e a sedentariedade. Como eram tristes seus domingos vazios nas praças públicas, onde as pessoas se encontravam, se confraternizavam e ele ali, triste e solitário, a “conversar” com os pombos, seus únicos amigos, que pareciam entender seu sofrimento.  Não sabia que, coincidentemente, Fátima estava vivendo a mesma situação solitária dele, embora tivesse a companhia de uma tia solteirona, que vivia com ela em seu novo apartamento na Liberdade, bem próximo do apartamento que Johnny alugou no velho Glicério. Fafá separou-se de seu marido, um alcoólatra incorrigível que a espancava desde a lua de mel em Minas Gerais e era impossível uma vida matrimonial harmoniosa entre eles, diante de tanta violência. Jurou que jamais se casaria de novo. Certa ocasião, agarrou-a pelas pernas, deixando-a de cabeça pra baixo e tentou jogá-la da janela do apartamento na Amaral Gurgel, na Consolação. O Destino interveio e Deus impediu a sua morte, pois estava escrito que ela ainda haveria de encontrar sua alma gêmea e reiniciar totalmente a sua vida.

                   Quanto as novas atividades do nosso  Johnny, elas se expandiram e o transformaram num músico, após um período de estudos num Conservatório de Santana, formou uma banda de Rock e foi tocar com sua turma de roqueiros cabeludos e mal cheirosos nas casas noturnas paulistanas. Sentiu falta de suas atividades teatrais iniciadas na época da adolescência e tentou reiniciá-las.

                   Neste momento, o Destino resolveu intervir novamente, como já o fizera em outras fases da sua vida. Resolveu procurar alguns amigos atores que com ele iniciaram a carreira em 1956 e um deles, hoje famoso ator de teatro e televisão, recomendou-lhe que procurasse o diretor teatral Tom Santos, dono  do Teatro Aplicado (hoje Bibi Ferreira) na Brigadeiro Luis Antônio, pois estava iniciando o trabalho com uma turma, que nunca tinha feito teatro, pois eram profissionais de outras áreas e também com atores profissionais afastados do teatro e que necessitavam de uma reciclagem. A intervenção Divina se fez presente novamente.

                   Johnny foi ao mencionado teatro e para surpresa sua foi aceito para participar de uma montagem teatral “Morte e Vida Severina” de João Cabral de Mello Neto e assim radiante de felicidade, numa bela manha primaveril, lá foi ele para o seu primeiro ensaio. Entrou, atravessou o corredor e chegou ao palco central, onde estavam reunidas diversas pessoas. Tom, o diretor, acenou para que ele se aproximasse e começaram as apresentações

e de repente, surgiu diante dele uma linda moça morena, de olhos negros aprofundados pelas olheiras, que lhe davam um charme gracioso ao rosto pequeno.                                       - Quem? Quem ? Ora, você  ainda  não  sabe, prezado leitor? A moça era a Fátima, dos encontros e desencontros e eles estavam ali um em frente ao outro, se reencontrando novamente, graças a mais uma artimanha do Destino. Sim, ali estava a sua Fafá, a sua alma gêmea que se encontrava perdida nos meandros da vida. Os corações agora livres das correntes que os acorrentavam a dois casamentos nefastos, repletos de angústias e desilusões, agora estavam livres e poderiam reiniciar suas existências, mesmo que os anos tivessem deixado marcas profundas em suas almas. Os anos perdidos não foram lamentados, porque é sempre bom reiniciar tudo novamente e simplesmente ignorar o Passado, ou seja uma velha página virada no Livro da Vida. Johnny lembrou naquele instante de sua velha avó Maria, a cartomante, que ao tirar uma carta para o neto, preconizara:

-  “ Você vai reiniciar sua vida quando chegar aos 50 anos e dessa vez vai ser pra valer, com  a pessoa certa.

-  “ E o meu casamento atual com a Marlene e os meus filhos?

‘‘-   Vai se extinguir com a poeira do tempo.  Seus  filhos  você não os verá mais nessa vida, pois ficarão espalhados por esse imenso  país, difícil de serem encontrados.

        Johnny percebeu que nada  mais poderia  modificar  essa  situação,  pois  estava escrito no Livro da vida. O Passado seria realmente páginas  viradas e esquecidas, pois não se pode tentar mudar o curso do Destino. As premonições da velha cartomante tornaram-se realidade e meio século já vivido tornaram-se as folhas mortas de um Passado, que nunca mais seria revivido. A vida começou para eles não aos 40 e sim aos 50 anos, com um casal mais maduro e mais consciente de suas responsabilidades matrimoniais. O reencontro possibilitou em passar a limpo todas as  coincidências dos encontros e desencontros de suas vidas e chegar a conclusão que tinham nascido um para o outro. Johnny já não se preocupava mais de quando iria morrer. Isso já não era mais tão importante, pois havia uma nova vida para ser vivida.

                   Muitos  perguntam  se eu acredito em “almas gêmeas”, em premonições, em Destino... - não sei se terei  condições de negar todas essas questões, porque desde que me conheço por Johnny, sou testemunha de que todas as premonições de minha avó Maria realmente aconteceram, estou também convicto que nossos destinos foram traçados por Deus e que realmente, nessa segunda fase de minha vida, foi que encontrei a verdadeira felicidade, ao lado da minha querida alma gêmea, a Fátima figura dos meus sonhos mais acalentados, minha doce e querida esposa, que resolveu cuidar de mim até o fim de minha viagem terrestre, vereda final de nossas existências. Tenho certeza que este encontro é definitivo e que não haverá mais desencontros. Deus a abençoe Fafá. Quanto tempo esperei por você,  mas ...  valeu a pena!

 


  

              
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