KISS, O BEIJO DA MORTE
(CONTO)
JOÃO MATVICHUC
Sentado, diante de um televisor, Ivan assistia estupefato o noticiário que relatava a triste tragédia que se abateu sobre Santa Maria, no interior gaúcho, naquele fatídico final de semana.
Sentiu um estranho arrepio ao perceber a coincidência entre a tragédia gaúcha na Boate Kiss e o seu último filme de curta metragem “O Beijo”, captado e produzido em 2012 em Santos, pelos alunos de cinema da FAAP de São Paulo.
Curiosamente, dentro dos padrões normais, foi escolhido um ator idoso com mais de 70 anos de idade, pois a tendência de morte está mais próxima dele do que a de um jovem cuja longevidade é sempre considerada como fator preponderante. Bem, voltamos ao roteiro do personagem idoso, que desgostoso da vida, resolve abdicar de sua existência terrena e bebendo fica aguardando ansiosamente a chegada da Morte, representada por uma atriz e também linda jovem modelo de passarela internacional, sensual, esbelta, dona de um sorriso insinuante, ou em poucas palavras, o tipo de Morte, sonhado e almejado por todos.
- Quem não gostaria de morrer e ser levado por uma mulher tão linda e envolvente, que com um beijo final e sem retorno, nos transporta para o Além? Um protótipo bem mais agradável do que aquela pavorosa e sempre veiculada figura literária : um esqueleto coberto de um longo manto negro e com um tridente na mão ceifando vidas.
O que aconteceu em Santa Maria foge de todos os padrões normais, porque a Morte apareceu para “beijar” centenas de jovens universitários, na faixa etária de 18 a 25 anos, muito jovens que selou e sufocou com gazes tóxicos letais, apagando de forma abrupta, todos os sonhos de um dia se realizarem profissionalmente.
Por outro lado, o velho personagem do filme aguarda com os olhos fechados, o toque fatal da Morte beijando seus lábios e nada acontece, apenas um sussurro em seu ouvido dizendo que ainda não era chegada a sua hora de partir, abre os olhos e respira aliviado com o desaparecimento daquela linda figura, porém sinistra. Vantagens da ficção.
Ficamos imaginando que bom seria se isso acontecesse com os jovens gaúchos que não tiveram a chance de uma segunda vez, continuar vivendo, invés de se transformarem em “anjinhos” e partirem para o Além, deixando parentes e mães inconformados e tristes com suas inesperadas partidas.
Não podemos esquecer das mães gaúchas, nem olvidar as mães do mundo inteiro que perderam seus filhos de forma tão trágica e lembrar que Santa Maria, mãe de Jesús, padroeira da cidade gaúcha, que certamente está ouvindo suas preces e seus sofrimentos, dará conforto aos corações enlutados.
Nossas condolências a todos parentes e amigos dos jovens “anjinhos” que partiram sem se despedir.
Que esse acontecimento sirva de lição para todos: que é melhor prevenir, do que tentar remediar, para que novas tragédias não surjam, ceifando vidas, que gostariam de uma nova chance para usufruir, o bem mais precioso de nossas existências, a mais importante dádiva que o Criador nos dedicou: A VIDA!
Quanto a mim, dentro do meu mundo de ficção, como ator e escritor, fico esperando uma nova visita da “jovem sedutora” e enquanto ela não vem, vou tocando minha vida, de maneira honesta e produtiva, sempre procurando o bem e ajudando as pessoas que nos cercam. São princípios que não podemos olvidar.
AMÉM!!!
Conto publicado na XI Antologia Internacional Palavras no Terceiro Milênio da Phoenix Editora de São Paulo, Página 160, Outubro de 2014.
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