Foto: Praia do Rio Tapajós em Alter-do-Chão – Santarém, Pará
Maria de Fátima Queiroz Pinho Matvichuc (Fátima Queiroz)
Leninha era uma sonhadora. Gostava de sentar à margem do rio,
que passava no sítio onde morava, no interior do Amazonas e acompanhar a
correnteza das águas, até aquela curva, onde seus olhos alcançavam. Era linda
aquela curva do rio, no “lusco-fusco” da tarde trazido pelas nuvens, que
passavam no céu sobre sua cabeça cheia de sonhos e fantasia de felicidade. As
águas refletiam o luar da noite, desenhando fios de prata e as majestosas
árvores balançavam seus galhos. E a sua alma era como as folhas desses galhos,
ao sabor do vento, e como as nuvens deslizando no céu ... levemente...
docemente.
Ficava assim, horas e horas sonhando. E se alguém perguntava:
-“Com quem você sonha, Leninha“ – Respondia: - “ Com a Felicidade. Mas, onde
está a felicidade? E a resposta tomava forma. Era o amor, na figura de um
garboso príncipe, montado em seu fogoso ginete, que um dia viria buscá-la e a
levaria para bem longe, onde cuidaria dela, como se fosse uma rainha. Conheceria
outras terras, outras gentes, outros modos. Teria muitos criados, mordomos e
muito amor. Seria muito feliz. Muito feliz!
A realização de um grande amor! Sim, isso sim era felicidade!
E aconteceu!
Um dia, apareceu, não um príncipe, mas um artista, um pintor,
que com seu sorriso, suas telas coloridas e seus pincéis , foi entrando
mansamente na tela de sua vida e colorindo seus sonhos juvenis. Leninha
apaixonou-se perdidamente e com ele casou, partindo para a cidade grande,
deixando para trás o sossego do sítio, as árvores, com seus galhos e folhas
balançando ao sabor do vento, as nuvens rolando docemente no céu azul e a magia
da curva do rio. Começou uma nova vida. A felicidade lhe sorriu por algum tempo.
E esse tempo foi passando, passando, os dias transformando-se em meses, e os
meses em anos de uma fatigante rotina doméstica de: cozinhar, lavar, passar,
cozer, deixando-a exausta. E sua alma foi aos poucos se consumindo pelo peso do
cansaço e da melancolia. O marido, com o passar dos tempos, tornou-se irascível,
implicante e grosseiro. Exigia as roupas mais bem cuidadas, mais bem passadas e
mais criatividade no preparo da comida. Reclamava de tudo! Às vezes chegava em
casa alcoolizado e agressivo. Leninha, paciente, atendia seus caprichos sem
queixas, sempre solícita, ouvindo e obedecendo suas palavras, onde afirmava que
a subserviência foi e será sempre o papel da mulher-esposa dentro da sociedade.
Assim, com o passar do tempo, foi aumentando a tristeza e o desamor. Até que um
dia, o marido partiu para uma viagem e nunca mais regressou, nem deu notícias.
Leninha tentou chorar, mas seus olhos estavam secos. Sozinha, navegando num
barco sem rumo, no revoltoso rio de sua existência, sentindo o vento do tempo
arrastando-a em direção a última curva, perguntou-se: - “Mas onde está a
felicidade? – E como num passe de mágica, vislumbrou a figura risonha e afetuosa
do pai afagando-lhe os cabelos, e a beleza e suavidade da mãe cantando cantigas
de ninar perdidas na lembrança. Sentiu uma gostosa e imensa sensação de paz e
felicidade e viu-se sentada à margem do rio, olhando serenamente aquela linda
curva no “lusco-fusco” da tarde, com as árvores balançando seus galhos e suas
folhas, ao sabor do vento, e as nuvens deslizando no azul do céu... levemente...
docemente..
(Conto publicado na Antologia “Felicidade em Prosa & Verso”- 2003, pela Editora
Alba de Varginha, Minas Gerais, páginas 48 e 49).
Foto: Rio Amazonas – Estreito de Breves - Pará
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