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" NOITE DE NATAL "

(conto) 

  João Matvichuc

 

             Passava  o  tempo  todo  solitário,  perdido   em   seus   pensamentos   mais   lúgubres, sentado à mesa de um bar, sofrendo o vazio dos dias e das noites, nas madrugadas frias da velha São Paulo. Assim, lá estava ele, com sua cerveja, fiel companheira das noites mal  dormidas e o costumeiro monte de guardanapos, gentilmente oferecidos, onde  despejava suas poesias e suas dores, tentando  se vingar no papel,  todo o ódio  que  sentia  por  estar  ali  sofrendo  o  desalento  de  um  amor  perdido  e  sem  volta  no  seu  coração. 

                 Lembranças, que gostaria de apagar, mas que continuavam vivas na sua memória e lhe  davam uma sensação de angustia, de um imenso vazio, que se precipitava  nos  abismos  de  sua  alma.

                 Tentava afastar esses pensamentos que estavam corroendo seu coração  e  tentou substituí-los por lembranças felizes de sua juventude. Lembrou-se com saudade da velha avó Maria, cartomante famosa, que tinha profetizado no  passado  os  estranhos  rumos  deste  malfadado   casamento, que Leninha  não   era  exatamente a mulher certa da sua vida e  que  lhe daria muitas desilusões, o que  realmente  aconteceu,  após uma união  de 20 anos, de um casamento aparentemente sólido, o desenlace fatal  com o flagrante de uma traição,  difícil  de  ser  visto,  quanto  mais  de  ser  aceito.

                 Sentimentos confusos e a eterna dúvida cruel:  -  "Será  que algum dia na vida, essa  mulher  realmente  me  amou,  de  verdade ? ".    A  resposta  amarga  como  fel  se diluía na espuma borbulhante de sua bebida,  que cintilava nos olhos,  aquecia o coração  e entorpecia  os  dissabores  perdidos  nos  devaneios  da  alma.

-   "Por  que  meu  Deus,  isso  está  acontecendo   comigo  em  plena 

      Noite  de  Natal ?

                 Pobre  mortal  das  noites vazias que não encontra respostas e busca num canto perdido de um bar um pouco de solidariedade pra sua dor.  João,  ou "João-Ninguém"  como gostava   de ser chamado,  ficava  sentado  ali,  observando  as  pessoas,  com quem podia conversar,       fazer confidências e de encontrar uma maneira de se sentir  menos  só,  de  fugir  de  uma realidade que o atormentava, mesmo que para isso tinha de procurar seus  paliativos  na  bebida companheira. Lá, naquele cantinho do Planeta, no bar, onde as pessoas parecem mais solidárias,  menos vazias e mostram a sua verdadeira face oculta, escreveu ele, iniciando  o  poema  daquela  noite.

                 Mas naquela noite o bar estava vazio, pois todos estavam  em  suas  casas  preparando a Ceia do Natal e não poderiam  ficar  perdendo  tempo  com  um  bêbado  sem  lar. João ficava monologando suas amarguras e nem mesmo  os  garções   lhe  davam  atenção, pois não podiam parar seus afazeres para escutar suas chatices. Queriam ir embora  logo e aproveitar um pouco do tempo que lhes restara para comemorar o nascimento do Menino  Deus. Sim,  naquela linda noite enluarada, com reflexos de luz prateada enfeitando caprichosamente a folhagem com o orvalho da madrugada, todos se curvavam em  silenciosa oração para prestar merecida homenagem, da beleza e do  encantamento, do  mais  importante  nascimento,  que  a  humanidade conheceu    mais  de  dois  milênios,  de  Jesus  Cristo,  Nosso  Salvador.

                 Solitário  e  triste,  João olhou desalentado para o vazio das ruas e sentiu estranha  sensação  em  seu  coração.  Sentiu-se   inútil  e  sem  guarida no amargor de sua  existência e as lágrimas lhe brotaram nos olhos correndo pelas faces afogueadas. Sentiu   vergonha   de   estar  ali  expondo  sua   fragilidade.

                 Levantou,  pagou o que devia,  lançou-se   cambaleante   pelas  ruas  molhadas  e cruzou a neblina da noite. As pessoas passavam apressadas.  Sentiu desprezo e repulsa em  seus olhares. Não havia um só olhar amigo.Triste sina dos que bebem pra esquecer da vida.

-  "Ah !  Meu  Deus, o que fiz de errado na vida para merecer tão cruel castigo ? ", dizia tentando deter as lágrimas, que teimosamente rolavam sobre o seu rosto e a resposta   encontrava  eco no vento frio e sibilante, que lhe açoitava a face, gelando a alma e o coração.

            Adentrou  no quarto escuro da Pensão. Ali refugiou-se da família que o desprezara, da insensibilidade da Justiça, que lhe tirara os filhos, para deixá-los com a mãe adúltera... e ali,  naquele  pequeno  quarto  úmido,  o  cantinho  do  mundo,  que  lhe  restara  para  os últimos   dias  de  sua   existência  terrena      a  vereda  final.

                 A Noite  de  Natal  não  deveria  existir  para  os  solitários.             

                É  muito  triste  ficar jogado num canto qualquer, sem ter ninguém para conversar.  João  amaldiçoou a miséria  de sua vida por  não ter um telefone para  ligar à  um C.V.V.  e ouvir alguma palavra de conforto. Sentado na cama, tentou recompor os pensamentos. Olhou pelo quarto  à  procura de uma sombra amiga, mas  só vislumbrou os espectros sinistros, que teimavam em tumultuar seus pensamentos. Apenas uma réstia de luz que insistia em   iluminar o reflexo prateado de um objeto sobre o criado mudo. Apanhou-o e o examinou com  a  estranha sensação que as pessoas sentem  quando  estão  hipnotizadas. Queria afastá-lo de perto do seu rosto, mas uma força indomável o trazia para mais perto. Levou o polegar  até  o  "cão  da arma" e o puxou para trás. O tambor não se fez de rogado, girou  e  levou  a  bala  fatal  à agulha. Só faltava acionar o gatilho, a explosão,  o silêncio...   e   tudo   estaria   terminado! 

-  "Que  Deus,  perdoe  este  meu  gesto  tão  extremado "  -  Dizia  tentando  justificar seu ato, tentando convencer Deus, que não merecia o Inferno, pra onde vão todos os suicidas.

-         "Se eu morrer, será que ela vai se  arrepender de ter feito esta opção de  amor, desprezando meus sentimentos,  quando a elegi  rainha do meu  lar,  até  que  a  Morte  nos separe".  

E isso estava prestes a acontecer, naquele exato momento,  pois João sentiu a morte  próxima do seu dedo indicador, bastava apenas um ligeiro toque, mas Deus se apiedou  de  sua  alma e resolveu  rescrever a história de sua vida.  Neste  exato momento, a porta do quarto se  abriu e surgiu  Maria, uma  jovem  nordestina  trazendo  um  prato coberto, donde exalava um cheiro agradável  e  muito apetitoso de uma iguaria  da  já famosa cozinha nordestina. Momento de súbito pânico, uma arma rapidamente baixada, um sorriso contrafeito, a fala presa na garganta querendo justificar  -  o injustificável; ela simplesmente fingiu que não tinha visto nada e sorrindo ofereceu-lhe o vatapá baiano,  com  os  votos  de um Feliz Natal. Abençoado vatapá, que lhe salvara a vida ! Que Jesus abençoe aquela  mulher, que tem o mesmo nome de Sua Mãe e enviara aquele anjo com a mensagem divina,  que a vida é o nosso bem  mais precioso e que não podemos dispô-la dela à nosso bel  prazer. A  vida continua. Deus fechou uma porta e abriu uma janela para o nosso João, terminou seu calvário sentimental enviando um Anjo chamado Fátima (Fafá)  para enfeitar  os  dias  de  sua  existência  e  resgatar  a  felicidade  perdida   e...  assim   aconteceu...

 

Nota do autor: Dedico este conto à minha esposa Fátima Queiroz (Fafá), pois sem ela este conto jamais teria existido, pois faz parte de nossas vidas.

 

(Publicado na Antologia Literária “Grandes Nomes da Literatura Brasileira” - 2003, pela  Phoenix Editora, de São Paulo, páginas de 09 a 12. Conto classificado em 1º Lugar no IV Concurso da referida editora).

 Terceiro Lugar no Concurso da APESB de Santos

   (Associação dos Escritores e Poetas da Baixada Santista).

 

                               

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