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“ RICARDO, O TRAPALHÃO “

(conto)

João Matvichuc

          O relacionamento humano é uma das coisas mais complicadas do mundo moderno. As pessoas, hoje em dia, estão sempre muito apressadas e nunca dispõem de tempo para uma conversa um pouco mais longa, mais amiga e menos superficial, como os beijos, que mal tocam nossas faces, quando somos cumprimentados, sem falar nos sons monossilábicos, como “oi”, “OK”, “tcháu” e por aí vai, com o acréscimo das gírias absurdas do jovem moderno. Falta diálogo e uma aproximação mais fraterna entre as pessoas.

         Ricardo era um jovem de seus vinte e poucos anos, que não se enquadrava nessa categoria, de pessoas que não dialogam, muito pelo contrário, gostava de  longos “papos” e isso, à princípio, era tolerado porque  era muito simpático, de uma alegria jovial e contagiante, mas com o passar do tempo tornava-se maçante e até chato, como dizia Leonardo “Badú”, um amigo, que o alertava para que mudasse de comportamento, pois as pessoas o evitavam porque,  era insuportável ouvir o tempo todo suas confusas histórias, não permitindo sequer um mínimo aparte dos seus ouvintes. É verdade, que o diálogo é fundamental, mas só é agradável,  quando as pessoas sabem ouvir e se libertam da ansiedade obsessiva de falar, sem dar espaço aos ouvintes.

        Essa deficiência de Ricardo,  era  superada  pela   sua  imensa  bondade  e  desprendimento. Estava sempre pronto a ajudar as pessoas carentes, que dele precisassem, embora essa ajuda acabasse sempre numa enorme trapalhada. Foi assim que numa bela tarde primaveril, na cidade de Santos ( onde vivia ), servindo como guia do amigo Luís Carlos, deficiente visual, muito conhecido pela sua maneira jovial de encarar a vida, contava-lhe histórias  engraçadas e gesticulando muito se entusiasmou tanto, esquecendo, que estava conduzindo um cego pela rua e esta distração foi fatal, pois fez com que o coitado  fosse se chocar com  uma árvore, machucando o rosto. Confuso e tateando no vazio, Luís  Carlos, contrariado pelo imprevisto, não pôde deixar de exclamar:  - “Que é isso, Ricardo? Tá querendo matar o pobre ceguinho?

Ricardo constrangido pela sua distração se desmanchava em desculpas e Luís Carlos, apesar da dor no rosto, acabou dando boas risadas com a situação.  

         E as trapalhadas não pararam aí. Torcedor fanático do Santos F.C. assistia a maioria dos jogos do “Peixe”, na Vila Belmiro, mas certo dia teve a chance de viajar com a “Torcida Jovem”, (  da qual o amigo Leonardo “Badú” era  um  dos  responsáveis ) e foi assistir o jogo do Santos contra o Boca Juniors, pela Libertadores da América, no Morumbi. Era a primeira vez na vida que  ia a um estádio monumental, imenso e não cabia de felicidade, pela oportunidade de assistir um jogo tão importante e conhecer um  estádio tão famoso da cidade de  São Paulo. 

         No ônibus da torcida falava sem parar, ninguém conseguia um aparte e o tempo todo indagava se o ônibus já estava chegando, recebendo como resposta um sonoro coro: “NÃO !”, dos passageiros e do próprio motorista, impacientes com tanta amolação. No estádio, todos esperavam que ele fosse assistir  o  jogo  em  silêncio,  mas  surpreendentemente ficou o tempo todo apreciando e comentando  sobre as belezas da arquitetura do estádio, o que provocou a irritação da torcida, pois o Santos estava  perdendo. Tonhão,  negrão de quase dois metros de altura, tocador de bumbo da banda, que animava os jogos e nas horas de folga era segurança, não suportou o encantamento arquitetônico do jovem Ricardo e o agarrou pelo pescoço ameaçando jogá-lo arquibancada abaixo:

-          “ Tá  afim  de  levar uma porrada no cocuruto, ô meu ? Vamo parar com esse  papo    sinistro,  senão  vai  comer   grama  do  estádio?  Tá  legal?

         Vendo-o apavorado, Tonhão o largou  e foi cuidar do som da torcida.

         Desempregado há muitos anos, o jovem Ricardo sonhava em arrumar um emprego e conseguir realizar o maior sonho de sua vida: uma “motoca”, daquelas bem incrementadas e sair pelas ruas de Santos e São Vicente, pilotando sua “possante”, em alta velocidade, com os cabelos soltos e esvoaçantes, soprados pela brisa  do  mar.

         Conseguiu o emprego como porteiro de um hospital em Santos e adorava sua função, pois ela propiciava a oportunidade de conversar com as pessoas. Era um excelente relações públicas, um pouco exagerado, talvez para os padrões de segurança,  mas sempre muito prestimoso. As trapalhadas continuaram, quando certo dia, Baltazar, um integrante da Torcida Jovem do Santos, que também estivera no Morumbi no fatídico jogo que o “Peixe” perdeu, levou sua esposa ao hospital para um exame de ultra-sonografia. Ele recusou a oferta do médico para assistir o exame, pois não gostava de ver  esses exames, mas mudou de idéia quando reencontrou o Ricardo, na portaria do hospital. A partir desse momento ele não largou mais o pé do pobre moço. Ficou o tempo todo comentando aquela derrota do Santos. Baltazar não agüentando o assédio esportivo,  fugiu espavorido para se refugiar na sala do exame. Espantado, o médico perguntou: - “ Ué !? Disse que não queria ver o exame, mas agora mudou de idéia ! Por que?    

-          “ É...  resolvi  dar uma espiada ( e olhava assustado na direção da porta, na dúvida  que Ricardo fosse entrar a qualquer momento e continuar a maçante e estressante conversa ).

     São estas coisas que fazem de Ricardo, um indesejável, mas  como todo e qualquer ser humano,  ele também tem o seu lado bom. É uma pessoa generosa, desprendida, que muitas vezes ajuda os outros, sem pedir nada em troca. Foi voluntário num evento em homenagem ao “Dia da Criança”, onde atuou como palhaço para animar crianças deficientes visuais. É um artista nato, ótimo ator. Trabalhando no teatro amador, atuou em diversas peças teatrais  na Baixada Santista sem ganhar nada, só experiência. Esse coração magnânimo supera todas as suas trapalhadas e por falar nelas, sua última façanha aconteceu com a sonhada moto, que conseguiu comprar, graças ao emprego no hospital. No dia da  compra, Ricardo saiu feliz pelas ruas de Santos, montado em sua “possante”, mas... de repente... não sabe dizer como, quase atropelou um deficiente numa cadeira de rodas,  vendendo doces no meio dos carros, que estavam parados aguardando o farol de trânsito abrir. Quando viu, estava quase em cima da cadeira, desviou bruscamente e foi parar com a moto na calçada, estatelando-se no chão, num tombo espetacular. Não teve coragem  nem para  pedir desculpas, levantou–se subiu na  moto e foi embora, O susto lhe  serviu de uma grande lição. Acabou vendendo a moto.

        Curioso, é que boa parte de suas trapalhadas sempre envolvem deficientes. O amigo  Luís Carlos  (o cego da árvore), agora está cuidando de lhe arrumar um novo emprego, pois o do hospital não durou muito, pois  foi flagrado escrevendo poesias, durante o expediente – talvez movido por uma súbita paixão pela recepcionista  Octacília,  quem  sabe? Coisas de artista. Ninguém  consegue  entendê-lo e acabou no olho da rua,  engrossando  a enorme fila de desempregados desse nosso país.

         Agora, tem um novo sonho... comprar um carro! Isso assim que arrumar um novo emprego, claro. Aí sim, ele poderá passear na orla da praia paquerando as “gatinhas” e aproveitar as “baladas” da noite santista. Ah! Como é bom viver !!

 Mas... Cuidado pedestres! E principalmente os deficientes, pois nosso amigo Ricardo vem ai com sua máquina possante, fazendo novas e infernais trapalhadas.

Nota do Autor: Dedico esse conto ao meu querido amigo vicentino, Ricardo Ferreira, que me inspirou escrever este conto.

Conto premiado com MENÇÃO HONROSA e publicado pela Phoenix Editora de São Paulo em Maio de 2007 na Antologia do VI Concurso Grandes Nomes da Nova Literatura Brasileira, páginas 58 a 61.

 

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