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" A  ESTÓRIA DO BOTO " 

 (Conto)   Fátima Queiroz

 

 

                O silêncio da noite era  quebrado  pelo  canto  das  cigarras  anunciando  o  forte calor amazonense, o pequeno barco singrava as águas barrentas desafiando rebojos e remansos. Na noite calma de verão a lua resplandecia prateando as águas e o céu estrelado se estendia sobre o rio e a selva  amazônica,  que  exalava  o  perfume  e  o  som  de  sua  magia.

                   Deitada na rede, Alice se deixava embalar pelo balanço do barco vencendo a correnteza do Rio Mar e pela doce sensação de afago do "tapa vento" acariciando seu rosto. Gostava imensamente dessas viagens fluviais por esse Norte  maravilhoso. Adorava apreciar a linda paisagem ribeirinha. E ali estava, num pequeno barco, singrando as águas caudalosas do velho rio Amazonas,  em  direção  à  sua  cidade  natal,  Manaus.

                 Cerrando os olhos, recordou com saudades, de quando era mais jovem e costumava passar suas férias na Fazenda do Tio Argemiro,  localizada   próxima  a  pequena  cidade  de  Itacoatiara. 

               Sempre se empolgava com as lendas e mitos, como  Mãe D'água, Curupira e  toda  riqueza do folclore amazônico.  Foi assim, que durante um período de férias, Alice ouviu de Dona Serena,  velha cozinheira da fazenda, uma interessante estória.

                 Certo dia, Alice entrando na cozinha encontrara Dona Serena cabisbaixa e muito tristonha. Indagando o motivo de tanta consumação,   respondeu:

-  " É devido ao acontecido com  minha  sobrinha  Santinha,  de  apenas 15 anos, que criei como filha ".

-  " Mas, o que lhe aconteceu ? " perguntou Alice, já um tanto alarmada.

-  " É  que  o  "Buto"  flexú  ela.   O "Buto"  tirou  a  sombra  dela.  Agora ela tá

      prenha".

                 Sem entender o sucedido, Alice pediu que  a  velha  serviçal  explicasse melhor aquela história, um pouco confusa para o seu entendimento. Dona Serena  relatou  que o fato tinha ocorrido há sete meses atrás, durante uma Festa Junina,    "pros"  lados  de  Manaquiri,  na   fazenda  do   "cumpadre"   Neco.

                 Santinha participava da festa, que estava muito animada e tinha muitos  comes e bebes. "Cumpadre" Neco, não deixava por menos e gostava de muita fartura. Os rapazes do conjunto musical eram muito divertidos e quando a música parava, todos ficavam na expectativa de recomeçar o remelexo.

-   " Toca  de  novo  essa  sanfona,  cumpadre" - Gritavam para o  sanfoneiro do  conjunto.  E  a  velha  sanfona  arrepiava  num  som  frenético.

                 Fazia um calor infernal, prenunciando forte temporal. A animação fervia cada vez mais. De repente, um forte pé de vento varreu o salão e tudo escureceu. Ouviram-se gritos, garrafas rolando pelo chão, copos quebrando. Santinha sentada num canto sentiu uma forte mão envolvendo a sua cintura  e uma voz quente sussurrou no seu ouvido:

-     " Vamos dançar ? "

                 A luz retornou, como num passe de mágica e ela viu-se dançando com um belo jovem de pele clara de tom róseo, vestindo um terno branco, de sorriso cativante e olhar forte, penetrante, e com lampejos sedutores, que a hipnotizavam. A única esquisitice naquele moço era um chapéu cor de barro escuro, que usava com " caimento" de lado, que lhe dava um ar de malandro. As pessoas começaram a estranhar e comentar o motivo daquele moço não tirar o chapéu, mas com a crescente e contagiante animação da festa, esqueceram desse detalhe.

                 Santinha, por sua vez, estava fascinada pelo jovem e garboso rapaz e abandonou-se em seus fortes braços, seduzida e envolvida pelo forte magnetismo do moço.

                 A festa chegou ao fim e ninguém notou a ausência do romântico par. Foi então que Dona Serena procurando pela sobrinha e não a encontrando, alarmou-se e deu início a uma desesperada busca.

                 Ao amanhecer encontraram Santinha adormecida na margem do rio. Despertando, a moça lembrava apenas das horas de amor vividas com o belo jovem e que logo após ao êxtase amoroso, sentiu grande sonolência, mas antes de adormecer ainda viu o jovem mergulhar nas águas do rio e sumir, enquanto ela mergulhava num profundo sono.

                 Dona Serena na sua ingenuidade acreditava piamente nesta estória e  olhando muito séria para  Alice  argumentava:

-      " É... o moço era um "Buto" e o "Buto" flexú ela. Ele tirou a sombra dela  e

          ela    prenha ".

                 Realmente, Santinha, na inocência dos seus 15 anos, estava grávida de sete meses, o Boto tinha lhe tirado a virgindade e daí há dois meses, Dona Serena,  seria tia-avó de um lindo "botinho" ou "botinha" ?

                 Alice não pôde deixar de sorrir evocando essas lembranças. A riqueza do folclore amazônico é empolgante e inacreditável.

                 São muitas as estórias contadas pelos caboclos dessa imensa e indevassável Amazônia. É preciso conhecê-las  e  vivê-las  experienciando  toda  sua  grandeza.

                 Alice, já com  os olhos pesados de sono, adormeceu no embalo do rio sonhando  com a Iara e ouvindo o canto do Uirapurú.

 

(Dedico este conto à minha saudosa tia Alice de Queiroz, uma das melhores contadoras de histórias, que conheci na minha vida).

 

                                            

 

(Conto publicado na Seleta de Versos e Prosa - 2001, Volume 15, pela Editora Borck, de São Luiz Gonzaga, Rio Grande do Sul, Páginas 169 a 171).

 

 

                               

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