( conto )
Ivan Matvichuc
N |
o
início deste novo Milênio, pouco ou quase nada, podemos
esperar de positivo na situação
caótica, que
se encontra
nosso país. Gigante
adormecido, que continua com sua economia cada vez mais globalizada, corrompido
e esmagado pelos juros extorsivos,
que nos impõem os banqueiros estrangeiros, em detrimento do nosso próprio
crescimento econômico, onde detemos o título de país menos desenvolvido, um
dos mais pobres do Mundo, com taxas alarmantes de desemprego e analfabetismo.
Tristes recordes, que nos impõem e abalam
a nossa
confiança patriótica.
O desemprego obriga o brasileiro a procurar emprego
na economia informal. E o que se mais vê nas grandes cidades é o crescimento
de "marreteiros" ( quando ainda possuem algum capital ), ou de
"catadores" de garrafas, latas, e papelão,
pessoas miseráveis
disputando o
seu ganha
pão nos
"lixões" da
vida.
A triste verdade, é que ninguém está seguro em
nenhuma profissão.
O desemprego está tirando o sono de
muita gente, que fica aflita diante da impossibilidade
de prover
o sustento
de suas
famílias.
Esta era a situação por que passava o ator
Ricardo, já aposentado, vivendo de uma "merreca
" de aposentadoria, que o obrigava a recorrer aos mais estranhos
expedientes, para completar o orçamento familiar.
Participava de todos os testes que apareciam, para
gravar comerciais de televisão, mas era muito difícil, pois a concorrência
era muito grande. E assim,
se prestava à sacrificadas figurações, participava de concursos de
gargalhadas na TV, programas de baixa qualidade, idiotices, aberrações,
enfim... tudo para sobreviver.
E foi
num desses
programas, que
quase perdeu
a vida.
Ricardo era um homem muito esforçado, responsável,
sempre perseguindo seus objetivos. Assim,
ficou muito feliz quando, iludido com o convite de um grande canal
de TV de São Paulo, aceitou participar da gravação de um programa
especial, de muito sucesso junto ao público. Ficou
feliz com o
convite e partiu pra luta.
No estúdio foi informado que as gravações seriam
externas e colocaram em suas mãos, uma folha de texto ( com pouco tempo para
decorar ). Verificou que o texto era o roteiro da vida de um jovem de uns vinte
e poucos anos, cujo trabalho era de vendedor pracista, de uma industria de
chocolate. O trabalho de Ricardo seria decorar toda a rotina da vida diária
desse moço. Seus hábitos, sua vida íntima, nome da namorada, nome do Motel
que freqüentava, o tipo do seu carro, o número da placa, o bar que era freguês,
enfim... toda a vida de Agenor
( assim se chamava o moço ).
O objetivo do programa era prestar uma homenagem
especial pelo aniversário do Agenor. Era na verdade uma brincadeira um tanto
"pesada", pois era tudo preparado para dar um grande susto no
pobre aniversariante. A equipe toda chegava
na hora da festa e provocava um escândalo.
O diretor explicou
ao Ricardo
como seria
o susto:
- " É muito simples, você diz que é dono de
uma padaria, que compra o chocolate dele e descobriu que
ele está saindo com sua mulher..."
- " Mas isso
vai dar
em briga ! " retrucou
o temeroso
ator.
- " Certo !
Mas não se preocupe que
estaremos presentes dando toda segurança.
Esse roteiro,
é a
"munição" para
alimentar a
discussão. Procure
discutir
bastante,
se empolgue ao máximo, gaste todos os argumentos, dê bastante veracidade à cena, se entregue ao trabalho de representar, o resto nós
garantimos".
E assim, lá foram eles no carro da TV, rumo ao
bairro de Pirituba,
acabar com
a festa
de aniversário
do coitado
do Agenor.
Lá chegando, a câmara e o microfone foram ocultos
e adentraram à casa, pela porta dos fundos. Na sala lotada de convidados, todos
cantavam o "Parabéns à Você ", enquanto o Agenor muito feliz,
apagava as velinhas do bolo. De repente, o Ricardo invade a sala, como nos
filmes de faroeste. E com as mãos na cintura, chama o rapaz pra briga. Foi um pânico
! Todos se afastaram, abrindo imensa clareira no centro da sala. O ator se
aproximou, lentamente, e com a
maior cara-de-pau, foi despejando toda raiva de marido traído, indignado com o
tamanho dos chifres. O pobre do Agenor
estava tão aturdido pelo impacto da surpresa, que balbuciava explicações
confusas, sem entender o
que acontecia.
-
" Calma ... eu... eu nem o conheço e muito
menos essa... essa
Dona Jandira,
sua
esposa e ... e...
essa tal
de Eliete balconista..."
A discussão se acalorava mais e mais, pareciam que
iam chegar às vias de fato. Ricardo interpretava com perfeição o "marido
traído". No meio da confusão, surgiu vindo de um quarto próximo, um
velhinho que mal conseguia andar. Era o avô do Agenor, que se interpôs
entre os dois, pedindo pelo amor de Deus que Ricardo deixasse seu netinho
em paz, pois o mesmo era um moço bom, responsável
e temente a Deus, incapaz de praticar um ato indigno, como sair com a
mulher dos outros.
- " Vovô, deixe que resolvo este assunto " –
Falou Agenor com olhar de grande
sofrimento.
A esta altura, Ricardo pensou que a performance
estava indo longe demais, era hora
de dar um basta. Olhou disfarçadamente para o diretor, que fez um gesto para
que a cena terminasse. Ricardo sorriu, colocou
o braço
no ombro
do transtornado Agenor e
falou :
- " Agenor,
meu nome
é Ricardo,
sou ator
e tudo que
aconteceu foi
uma "pegadinha", que
sua irmã
Rosicleia preparou
junto com a produção
do programa,
para comemorar
seu aniversário.
PARABÉNS !
Agenor ainda
estava tonto
e duvidando,
até ser cumprimentado pelo diretor
e o produtor do
programa, assim
como todo o
pessoal da técnica.
E não cansava
de repetir :
- "
Que brincadeira sem graça ! "
Além de sem graça foi uma brincadeira estúpida e
de muito mal gosto. Ricardo jurou tomar mais cuidado em seus próximos trabalhos
televisivos, era humilhante o ator
se prestar a esse tipo de trabalho, em troca de uns míseros trocados. E
mastigando o pedaço de bolo servido pelo sorridente Agenor, sentia o gosto
amargo do arrependimento, por ter compactuado com
aquele desrespeito
à privacidade
alheia. Nada justifica um constrangimento gratuito e sem nexo, ou o
envolvimento de pessoas em situações vexatórias, apenas para se conseguir
melhores índices de audiência. Quando é que vamos ter uma televisão um pouco
melhor e
livre desses
"escândalos encomendados ? ".
É, aqui se faz, aqui se paga !
O regresso foi tumultuado, pois erraram o caminho e deram de encontro com
um grupo de traficantes, que repartia drogas e começaram atirar na direção do
veículo, estilhaçando o parabrisa.
Ricardo e os demais deitaram-se no chão da perua, rezando por um milagre
de Deus. O motorista deu uma ré, arrancando numa velocidade, que quase
capotou. Escaparam por um triz. Ricardo jurou nunca mais gravar programas de baixo nível.
" Pegadinha nunca mais "
(Conto publicado na Antologia Luz e Sombra da Arnaldo Giraldo Editora de São Paulo em 2002 – Páginas 85 a 88).
Wanderley
Baptista, um jovem ator de 42 anos estava nessa situação de fazer
qualquer coisa para conseguir uns míseros trocados, que eles têm a
coração de chamar de "cachê", pois precisava comer e pagar
seu aluguel. O pobre coitado acabou sucumbindo numa dessas
"pegadinhas". Morreu trabalhando no dia 05 de Dezembro de 2002
no Guarujá-SP. Estava disfarçado de garçom e derrubava casquinhas de
siri sobre o público, que passava pela praia. Estava interpretando o último
papel de sua vida e não se sabe até que ponto seu estado emocional
contribuiu para que ele sofresse um ataque cardíaco no exato momento
que se apoiou numa mesa e caiu morto. Pobre Wanderley, que morte mais
estúpida! Será
que a morte dele contribuiu para melhorar os índices de audiência da
emissora de TV ? O certo é que seu minguado cachê não serviu nem para
pagar seu enterro. Revoltante é a falta de sensibilidade dessa emissora
em relação a esse caso e sua omissão em arcar com as despesas do
funeral do ator. Justificam informando
que ele não era contratado (?) e sim apenas um ator que recebia
cachês para interpretar suas "pegadinhas". O que está me
parecendo é que lhe negaram o direito de ser enterrado
como cristão. Era apenas um indigente dos meios televisivos.
Repito a pergunta que fiz no meu texto literário: - Quando é que vamos
ter uma televisão melhor e livre desses "escândalos
encomendados". – "Wanderley, presto-lhe aqui minhas últimas homenagens.
Parabéns, você aprontou sua
própria e
derradeira "pegadinha..." Ivan Matvichuc – 25.12.2002 |
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