*
*

 

 

*   
*
*
*
*

 

    on/off

     


" PEGADINHA "

                                                                       ( conto )                             Ivan Matvichuc

 

      N

o início deste novo Milênio, pouco ou quase nada, podemos  esperar de positivo  na situação  caótica,  que  se  encontra  nosso  país. Gigante adormecido, que continua com sua economia cada vez mais globalizada, corrompido e esmagado pelos  juros extorsivos, que nos impõem os banqueiros estrangeiros, em detrimento do nosso próprio crescimento econômico, onde detemos o título de país menos desenvolvido, um dos mais pobres do Mundo, com taxas alarmantes de desemprego e analfabetismo. Tristes recordes, que nos impõem  e  abalam  a  nossa  confiança  patriótica.

                 O desemprego obriga o brasileiro a procurar emprego na economia informal. E o que se mais vê nas grandes cidades é o crescimento de "marreteiros" ( quando ainda possuem algum capital ), ou de "catadores" de garrafas, latas, e papelão,  pessoas  miseráveis disputando  o  seu  ganha  pão  nos  "lixões"  da  vida.

                 A triste verdade, é que ninguém está seguro em nenhuma profissão. O desemprego está tirando o sono de muita gente, que fica aflita diante da impossibilidade  de  prover  o  sustento  de  suas  famílias.

                 Esta era a situação por que passava o ator Ricardo, já aposentado, vivendo de uma  "merreca " de aposentadoria, que o obrigava a recorrer aos mais estranhos expedientes, para completar o orçamento familiar.

                 Participava de todos os testes que apareciam, para gravar comerciais de televisão, mas era muito difícil, pois a concorrência  era  muito grande. E assim, se prestava à sacrificadas figurações, participava de concursos de gargalhadas na TV, programas de baixa qualidade, idiotices, aberrações, enfim... tudo para sobreviver.

                 E  foi  num  desses  programas,  que  quase  perdeu  a  vida.

                 Ricardo era um homem muito esforçado, responsável, sempre perseguindo seus objetivos.  Assim, ficou muito feliz quando, iludido com o convite de um grande canal  de TV de São Paulo, aceitou participar da gravação de um programa especial, de muito sucesso junto ao público. Ficou  feliz com  o  convite  e partiu  pra  luta.

                    No estúdio foi informado que as gravações seriam externas e colocaram em suas mãos, uma folha de texto ( com pouco tempo para decorar ). Verificou que o texto era o roteiro da vida de um jovem de uns vinte e poucos anos, cujo trabalho era de vendedor pracista, de uma industria de chocolate. O trabalho de Ricardo seria decorar toda a rotina da vida diária desse moço. Seus hábitos, sua vida íntima, nome da namorada, nome do Motel que freqüentava, o tipo do seu carro, o número da placa, o bar que era freguês, enfim... toda a vida de Agenor         ( assim se chamava o moço ).

                  O objetivo do programa era prestar uma homenagem especial pelo aniversário do Agenor. Era na verdade uma brincadeira um tanto  "pesada", pois era tudo preparado para dar um grande susto no pobre aniversariante. A equipe toda  chegava na hora da festa e provocava um escândalo.  O  diretor  explicou  ao  Ricardo  como  seria  o  susto:

   - " É muito simples, você diz que é dono de uma padaria, que compra o chocolate dele e descobriu que ele está saindo com sua mulher..."                       

   - " Mas  isso  vai  dar  em  briga ! "  retrucou  o  temeroso  ator.

   - " Certo !  Mas  não se preocupe que estaremos presentes dando toda segurança.

     Esse  roteiro,  é  a   "munição"  para  alimentar  a  discussão.   Procure  discutir   bastante, se empolgue ao máximo, gaste todos os argumentos, dê bastante veracidade à cena, se entregue ao trabalho de representar, o resto nós garantimos".         

                   E assim, lá foram eles no carro da TV, rumo ao bairro de  Pirituba,  acabar  com  a  festa  de  aniversário  do  coitado  do  Agenor.

                   Lá chegando, a câmara e o microfone foram ocultos e adentraram à casa, pela porta dos fundos. Na sala lotada de convidados, todos cantavam o "Parabéns à Você ", enquanto o Agenor muito feliz, apagava as velinhas do bolo. De repente, o Ricardo invade a sala, como nos filmes de faroeste. E com as mãos na cintura, chama o rapaz pra briga. Foi um pânico ! Todos se afastaram, abrindo imensa clareira no centro da sala. O ator se aproximou,  lentamente, e com a maior cara-de-pau, foi despejando toda raiva de marido traído, indignado com o tamanho dos chifres. O pobre do  Agenor estava tão aturdido pelo impacto da surpresa, que balbuciava explicações confusas,  sem  entender  o  que  acontecia.

-   " Calma ... eu... eu nem o conheço e muito  menos essa...  essa  Dona  Jandira,  sua  

        esposa   e ...  e...   essa  tal  de  Eliete  balconista..."

                  A discussão se acalorava mais e mais, pareciam que iam chegar às vias de fato. Ricardo interpretava com perfeição o "marido traído". No meio da confusão, surgiu vindo de um quarto próximo, um velhinho que mal conseguia andar. Era o avô do Agenor, que se interpôs  entre os dois, pedindo pelo amor de Deus que Ricardo deixasse seu netinho em paz, pois o mesmo era um moço bom, responsável  e temente a Deus, incapaz de praticar um ato indigno, como sair com a mulher dos  outros.

-   " Vovô, deixe que resolvo este  assunto "     Falou Agenor com olhar de  grande sofrimento.

                 A esta altura, Ricardo pensou que a performance estava indo longe demais,  era hora de dar um basta. Olhou disfarçadamente para o diretor, que fez um gesto para que a cena terminasse. Ricardo sorriu, colocou  o  braço  no  ombro  do  transtornado  Agenor  e  falou :

-   " Agenor,   meu   nome  é  Ricardo,   sou  ator  e  tudo  que  aconteceu   foi   uma "pegadinha",  que  sua   irmã   Rosicleia   preparou  junto  com a produção  do        programa,  para  comemorar  seu  aniversário.   PARABÉNS !

                       Agenor  ainda  estava  tonto  e  duvidando,  até ser cumprimentado pelo  diretor e o produtor  do  programa,  assim  como todo  o  pessoal  da técnica.  E não  cansava de  repetir :

   -   " Que brincadeira sem graça ! "

                  Além de sem graça foi uma brincadeira estúpida e de muito mal gosto. Ricardo jurou tomar mais cuidado em seus próximos trabalhos televisivos, era  humilhante o ator se prestar a esse tipo de trabalho, em troca de uns míseros trocados. E mastigando o pedaço de bolo servido pelo sorridente Agenor, sentia o gosto amargo do arrependimento, por ter compactuado com  aquele  desrespeito  à  privacidade  alheia. Nada justifica um constrangimento gratuito e sem nexo, ou o envolvimento de pessoas em situações vexatórias, apenas para se conseguir melhores índices de audiência. Quando é que vamos ter uma televisão um pouco melhor  e  livre  desses   "escândalos  encomendados ? ".

                 É, aqui se faz, aqui se paga !  O regresso foi tumultuado, pois erraram o caminho e deram de encontro com um grupo de traficantes, que repartia drogas e começaram atirar na direção do veículo, estilhaçando o parabrisa.   Ricardo e os demais deitaram-se no chão da perua, rezando por um milagre de Deus. O motorista deu uma ré, arrancando numa velocidade, que quase capotou. Escaparam por um triz.  Ricardo jurou nunca mais gravar programas de baixo nível.

                 "  Pegadinha   nunca   mais  "

(Conto publicado na Antologia Luz e Sombra da Arnaldo Giraldo Editora de São Paulo em 2002 – Páginas 85 a 88).

 

Nota do Autor:

 Triste é a sina dos atores desempregados deste país. Vitimas de um meio de comunicação, que se aproveita de sua situação desesperadora, para impor-lhes vexames e humilhações, quando promovem espetáculos idiotas e de baixo nível, para melhorar seus índices de audiência. Desculpe minha revolta, senhor leitor, mas não posso me conter diante de tantos absurdos.

 

Wanderley Baptista, um jovem ator de 42 anos estava nessa situação de fazer qualquer coisa para conseguir uns míseros trocados, que eles têm a coração de chamar de "cachê", pois precisava comer e pagar seu aluguel. O pobre coitado acabou sucumbindo numa dessas "pegadinhas". Morreu trabalhando no dia 05 de Dezembro de 2002 no Guarujá-SP. Estava disfarçado de garçom e derrubava casquinhas de siri sobre o público, que passava pela praia. Estava interpretando o último papel de sua vida e não se sabe até que ponto seu estado emocional contribuiu para que ele sofresse um ataque cardíaco no exato momento que se apoiou numa mesa e caiu morto. Pobre Wanderley, que morte mais estúpida!

Será que a morte dele contribuiu para melhorar os índices de audiência da emissora de TV ? O certo é que seu minguado cachê não serviu nem para pagar seu enterro. Revoltante é a falta de sensibilidade dessa emissora em relação a esse caso e sua omissão em arcar com as despesas do funeral do ator. Justificam informando  que ele não era contratado (?) e sim apenas um ator que recebia cachês para interpretar suas "pegadinhas". O que está me parecendo é que lhe negaram o direito de ser enterrado  como cristão. Era apenas um indigente dos meios televisivos. Repito a pergunta que fiz no meu texto literário: - Quando é que vamos ter uma televisão melhor e livre desses "escândalos encomendados". – "Wanderley, presto-lhe aqui minhas últimas homenagens. Parabéns, você aprontou  sua  própria  e  derradeira   "pegadinha..."

Ivan Matvichuc –  25.12.2002

 

 

<< Voltar 

_________________________________________

Indique este Site!

Send for friends!

_________________________________________

site: http://ivanfa.mhx.com.br/