( Conto )
Fátima Queiroz
muitas
vezes, vítima de seus próprios sentimentos. Sabemos que nos dias de
hoje, a dura
realidade
da vida nos obriga ser menos sentimentais,
ter os pés no chão e não nos deixar envolver por impulsos sentimentais
passageiros, que na maioria das
vezes nos deixa com o
coração sangrando.
Vejamos a história de Dona Lucimar ( Dona Lú para os íntimos ), jovem
senhora, de quarenta e oito anos, bem conservada, ( aparentando trinta ), que
depois de vários anos casada, viu-se de repente abandonada pelo
marido, que a trocou por uma
mulher bem mais jovem, deixando-a sozinha com
uma filha
pra criar.
Com o passar dos anos, o tempo foi aos poucos curando os ferimentos do
seu coração, restando apenas cicatrizes. Amadureceu com a vida e tornou-se
senhora de seus atos e menos sentimental, jurando nunca mais se deixar trair com
amores frustrantes. Assumiu corajosamente a responsabilidade de sozinha criar
sua filha Letícia, na época com
apenas dez anos. O pai pagava-lhe uma pequena pensão, que mal dava
para alimentação e o aluguel do pequeno apartamento na cidade
de Santos.
Apesar de sua sofrida existência dona Lú não se entregava ao
negativismo. Era alegre, gostava de dançar...gostava de viver. Um belo dia,
decidiu arranjar um emprego, que lhe proporcionasse melhores condições de
sobrevivência. Sabia, que ainda era jovem, tinha boa aparência e provocava
olhares e galanteios masculinos, quando passeava com
a Dolly
( sua cadelinha
Poodle ), pelo
calçadão da
praia.
Esperançosa por dias melhores, embora com o "coração
fechado" ( sua frase predileta
),gostava de freqüentar os
agitados bailes nos clubes da alegre cidade Santista, talvez, inconscientemente,
também em busca de um outro coração solitário, um "partner" para
suas danças, um companheiro e
confidente para
suas agruras
sentimentais.
Dona Lú, conseguiu um
emprego como doméstica e um par constante nos bailes dos sábados a noite. Seu
nome era Irineu e tinha acabado de se desquitar, uma situação idêntica a sua
e muitas afinidades. Era um senhor muito simpático, usava óculos, era um pouco
calvo e bem mais velho que ela. Aos poucos sentiram renascer a chama do amor e
cada dia aumentava a necessidade de estarem juntos. Ela, porém, continuava
lutando contra essa sensação, pois "de água fria, gato escaldado tem
medo" e tinha medo de sofrer outra decepção. E assim, ia
" cozinhando " o namoro, que
pouco a
pouco, ia
" fervendo ".
Quanto ao emprego, não se fixara em nenhum, pois as pessoas acabavam
abusando de sua generosidade e muitas vezes se sacrificava trabalhando horas
extras, sem nenhuma remuneração ou agradecimento.
Até que um dia foi trabalhar em casa de um militar, major sexagenário,
aposentado, tranqüilo, atencioso e muito educado. Era viúvo, sem filhos e
vivia sozinho numa linda cobertura com vista para o mar, na praia do Gonzaga.
Dono de uma invejável situação financeira, era um "partidão" para
qualquer mulher, que desejasse uma vida tranqüila e despreocupada. Apesar da
idade o Major Rodrigo tinha um porte atlético, resultado de vários anos de
Academia Militar. O cabelo
volumoso, todo branco contrastava com o tom bronzeado da pele queimada de sol,
lhe proporcionava uma bonita figura. De fato, podia-se dizer que era um
homem bonito.
Com o passar do tempo, o garboso major foi se tomando de amores pela
meiga e prestimosa Dona Lú que, por sua vez, logo percebeu as intenções do
patrão e se colocou na defensiva. Que fazer ? Gostava do emprego,
mas afinal
não ia
se deixar
seduzir. Isso
não ! Sempre fora uma mulher honestíssima e além
do mais, ainda tinha o Irineu, por quem tinha muito carinho e respeito
( apesar de "duro", pois era
um aposentado dos "Correios e Telégrafos" ) e ela continuaria
ao lado deste seu fiel companheiro.
O Major Rodrigo percebendo a indecisão de Dona Lú, tomou uma decisão :
fazer-lhe uma proposta, mas uma proposta digna e respeitosa, dentro dos princípios
morais. E assim, numa tarde chuvosa em que Dona Lú
com seus profundos olhos verdes e sua delicadeza servia-lhe o chá, pediu
que sentasse ao seu lado e
pegando-lhe as mãos, beijou-as e fez-lhe a proposta de vir viver ao seu lado
com perspectivas de um futuro casamento, além de se tornar a dona da casa, dona
de sua vida, do seu cartão de crédito, do
seu talão
de cheques
e até de um
Vectra 2001 com motorista e
tudo, estando sempre à sua disposição para levá-la aonde quisesse. Era um
verdadeiro sonho de Cinderela. Seria o fim de suas preocupações financeiras, não
precisaria mais trabalhar como doméstica.
Dona Lú paralisada não
sabia o que responder. Lembrou de falar da filha
adolescente e da cadelinha Dolly. O major sorrindo retrucou que não
haveria nenhum problema, pois
formariam uma bela família. Apenas ele exigiria, que para selar o acordo, a
partir daquele momento, ela
deveria dormir no emprego, seria como um teste de "convivência
conjugal", para ver se tudo daria certo. Neste ponto Dona
Lú ficou com um pé atrás. E se não desse certo ? A indecisão e
desconfiança tomaram conta do seu coração. Ficou com medo e pediu um tempo
para pensar. O major concordou e Dona Lú foi
para casa refletir melhor sobre a nova situação.
Só que levou
tempo demais
refletindo para
se decidir.
Numa bela manhã, retornando ao trabalho como de hábito fazia, teve uma
grande surpresa ao ser recebida friamente
por uma bonita e elegante senhora, que lhe perguntou:
-
Bom dia, o que deseja ?
- Sou Lucimar, a empregada, o Major
Rodrigo está ?
Antes
que ela
respondesse o
major entrou
na sala
sorrindo e
fez as apresentações:
-
Esta é minha nova empregada Dona Valdete. Desculpe Dona Lucimar,
mas a senhora
sumiu há
dias, não
telefonou, não
mandou nenhum recado, então
resolvi despedi-la
e...
- Mas
por que ? –
indagou Dona
Lú.
-
Porque a
senhora também
não aceitou
dormir no
emprego, lembra ?
E Dona Valdete aceitou tudo na hora, inclusive trouxe os dois
filhos menores,
papagaio e seu
inseparável cãozinho
de estimação.
Dona Lú olhou assustada para o filhote de "Pit-Bul" que a
olhava com desconfiança e depois
de gaguejar algumas desculpas, tratou de sumir
dali rapidamente, antes que virasse comida de cachorro. Os dias trabalhados
receberia depois
com mais
calma.
É, o major não perdera tempo, já tinha tomado suas providências. Realmente estava tudo em família: ele, Valdete, os filhos e os bichos. À Dona Lú só restava voltar para seu velho "apezinho" (pequeno apartamento), para o seu "duro", mas honesto Irineu e os "agitos " de Sábado a noite. Aquela proposta pesara-lhe nos ombros. Agora estava leve e feliz. Melhor um pássaro na mão, do que dois voando. Irineu era um pássaro cativo, os outros voavam sobre sua cabeça com fantasias e decepções.
(
Conto publicado na Antologia
"Energia Latente" da
Editora Arnaldo Giraldo, de São Paulo -
2002 – Páginas 52 a 55 ).
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