*
*

 

 

*   
*
*
*
*

    on/off

 

" APAGÃO ESCATOLÓGICO “

                                                       (Conto)                               João Matvichuc

                                                                                                                                                                                                                                               


                 Naqueles saudosos tempos, não haviam os famosos "apagões" da era moderna, que ocorrem hoje, por culpa da ineficiência governamental de governos e desgovernos preocupados em pagar os juros das dívidas externas, que deixaram de investir na expansão hidrelétrica do país, resultando nos  inevitáveis  "apagões"  da  vida.

              Mas deixemos de lado os nossos atuais problemas energéticos e voltemos ao Passado, nos anos 60, onde o  jovem policial Arquimedes desfilava pelas ruas da velha metrópole paulistana,  garboso e elegante, com a farda azul tergal, adornada de botões dourados reluzentes, engalanada com encordoamento branco,  polainas da mesma cor sobre sapatos pretos, luvas brancas empunhando comprida espada, presa em cinto de couro grosso, fechado com fivela dourada encaixada. Faixa de seda verde-amarela adornada de bandeirinhas metálicas, dos idiomas falados pelos policiais intérpretes. Parecia uma árvore de Natal ambulante, porém sucesso garantido  entre  as  mulheres.

              Ah !   Saudosa   Guarda   Civil   paulistana  da  elite  dos  anos  60.

              Assim "produzido", o guarda Arquimedes foi escalado num clube muito chique. Era a festa de recepção do novo cônsul inglês.  Salão de festa  luxuosíssimo, lustres de cristal brilhando como diamantes, veludo vermelho revestindo poltronas, tapetes persas e toalhas rendadas de linho  sobre as mesas. Muita porcelana inglesa, taças eslavenas de cristais brilhantes, com bebidas multicolores. Garções elegantes, orquestra tocando, casais dançando. Enfim, um luxo só, como sempre  acontece  nas  festas  da  alta  sociedade  paulistana.

              Neste clima,  Arquimedes e seu companheiro, o soldado Josafá, de longas jornadas, adentraram e se postaram num canto do salão. Postura correta de soldado sentinela: fleumático, ereto, silencioso e absolutamente imóvel. Lembrou-se, nesse instante, das coxinhas ingeridas no boteco e sentiu seus pulos frenéticos ocasionando terríveis cólicas abdominais. O suor gelado molhando a face, corria pelas costas febris. Precisava evacuar urgente, evitando acontecer um mal maior. Correu pro banheiro dos serviçais: pequeno, sujo, sem luz, sem tampa, muito diverso do WC da elite, embora os excrementos sejam iguais e nivelem as classes sociais.  Fedem  do  mesmo  jeito.

           No cubículo escuro, a batalha do soldado se despindo da farda, gala,  cinturão, revólver e espada.  Subiu no vaso para evitar  contaminação.

A calça e a cueca caíram, a túnica abriu, o revólver ele  segurou  na mão e  o longo petardo, esmaecido pela diarréia, seguiu sua meta final. Arrumou-se e voltou ao salão aliviado e feliz. Não o contornou, atravessou pelo centro e estranhou o comportamento dos convidados, que afastavam-se perplexos, cedendo-lhe a passagem. Alarmado,  com  gestos  frenéticos,  o companheiro Josafá  pedia pressa e lhe dizia:

-   “Arquimedes,  pelo  amor de Deus,  volte rápido ao banheiro, pois a sua espada  está  toda  suja  de  fezes”.

              Arquimedes olhou a espada e notou que sua lâmina estava toda sapilcada e enfeitada com a lama  fecal. Pois é, no escuro, ele esquecera de levantar a espada. Voltou,  tentou  acender  a  luz,   mas    encontrou  fios soltos, uniu-os em uma estranha união, que ao invés de acendê-la, provocou o famigerado e inesperado "apagão", após um pequeno e esfumaçado curto-circuito, onde a luz não se fez (Non Fiat Lux). Não pode avaliar, naquele momento, a extensão de sua malfadada proeza.  Limpou  como  pôde  sua  espada no corredor e voltou ao salão. Escuridão total.  Terrível caos reinava naquele ambiente.  Músicos  apavorados  guardando

instrumentos,  garções procuravam velas e o “maítre” esbravejava pragas pra cima do “irresponsável invisível”, causador do "apagão". Arquimedes nem tentou se  desculpar,  tratou  de  salvar  sua  pele,  escafedendo-se  rapidamente  dali.        

              A festa do Cônsul terminou. O desalentado e mal cheiroso policial, para evitar no futuro novos "apagões escatológicos, jurou nunca mais em sua vida comer  “coxinhas  centenárias”  nos  botecos  da  vida...

 

(Conto  publicado na Antologia Literária “Apagão à Brasileira – Humor às

Claras” da Casa do Novo Autor Editora – 2003 – Páginas 35, 36 e 37).

 

<< Voltar 

 

_________________________________________

Indique este Site!

Send for friends!

_________________________________________

site: http://ivanfa.mhx.com.br/