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 " A VIDA SE REPETE"

(conto)

 Maria de Fátima Queiroz Pinho Matvichuc

                                          

                 A  vida  é  um  processo  complicado  e  muito   complexo.    

 Sempre  questionamos  esse  tema  filosófico,  pois  ele  continua   sendo a fonte _self das nossas   dúvidas e indagações.   Segundo Ortega Y Garret, a vida é um fazer-se concreto  e  histórico.  A  realidade  é  opaca à nossa  percepção. Ela (a vida) se encontra sempre em determinadas circunstâncias, uma disposição em torno das coisas e das outras pessoas.             

                          Vivemos num mundo dessas circunstâncias, que formam um leito fluvial,   onde   a   vida   vai   criando   dentro   de   uma   bacia  inexorável,  mas... sempre,  nos  perguntamos: - A vida se repete?   

                          Sentada na cadeira de balanço, na semi-escuridade de seu pequeno quarto, Dona Coló, nos seus 82 anos, lembra um longínquo passado, onde gastou mais da metade de sua vida trabalhando e cuidando dos outros, como sobrinhos, mãe e marido (todos já falecidos); enfim, era tida como a enfermeira da família. Cuidou de todos com paciência e dedicação.         

                          O seu maior problema na vida foi cuidar de Tia Lili, solteirona de 84 anos, já em adiantado estado de demência. Aí,  a paciência de Dona Coló esgotou-se. A hora do banho, era uma verdadeira guerra, Tia Lili gritava, berrava que a estavam matando e agredia a pobre Coló, com o frasco do xampu, a saboneteira ou o que ela conseguisse pegar. Era um horror!

                          Em outra ocasião, desfiou toda uma colcha de "chenille", que cobria sua cama e não parou aí, certa vez, jogou todo o lixo dentro do guarda-roupa (isso quando ainda andava). Às vezes, divertia-se atirando excrementos pela janela do quarto, causando grandes e sérios problemas nos transeuntes, que passavam  pela  rua despreocupados.   

                          Pobre Tia Lili ! Pouco à pouco, foi perdendo os movimentos e ficava horas e horas, se balançando na cadeira, até Dona Coló  carregá-la  (era magrinha, mas pesava), para colocá-la na cama. Era um árduo e sofrido trabalho que deixava Dona Coló, aos pedaços.

                          E na hora da alimentação ?  Era um momento terrível, pois Tia Lili empacava que nem burro e, não abria a boca por nada. Dona Coló pedia, implorava, fazia "aviãozinho" com a colher com sopa, perdia a paciência e forçava a abertura dos lábios com a colher,  berrando e explodindo :

-   " Abra a boca, sua velha gagá ! "

                          Tia Lili, engasgava e cuspia sopa  pra todo lado, inclusive na cara de Coló  que rompia em doloroso  e sentido choro, arrependida de sua estúpida atitude. Alheia a tudo, Tia Lili continuava implacável, de boca fechada, com seus grandes olhos arregalados, só olhando... olhando... e pensando...

                          Mas... pensando o que ?  Será que Tia Lili ainda pensava ?  Esta era a pergunta que martelava a cabeça de Dona Coló.

                          Mergulhada nesses longínquos pensamentos do passado, Dona Coló sentiu uma forte pressão externa nos lábios e abrindo os olhos, espantada, viu uma colher com sopa, que uma mão magra forçava para introduzir em sua boca. A dona da mão, era sua sobrinha Lourdinha, que  desesperada, gritava :

 -   " Abra a boca, sua velha gagá ! "

                          Dona Coló, com os olhos arregalados, engasgou  e cuspiu sopa  pra todo lado,  não entendia porque Lourdinha estava tão possessa e chorando daquela maneira tão sentida...   " Por que? " Ela não entendia aqueles gritos, aquele choro...  e  olhava...  olhava... e  pensava:

-    " Por que ? " 

                          E  na cadeira se balançava... se balançava...

                          É...   pobre   Dona   Coló...   a   vida   se   repete !

(Conto publicado na Antologia Literária “Nas Ondas da Literatura”

2003 pela Casa do Novo Autor Editora, de São Paulo – Páginas 31 e 32).

(Dedico este conto à minha tia Alice de Queiroz, de saudosa memória, que me inspirou escrever esta história).

 


  

              
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