Dona Zenira era uma auxiliar de enfermagem muito eficiente e respeitada em seu local de trabalho. Há vários anos trabalhava naquela
clínica pediátrica, no bairro paulistano da Lapa e era muito querida pelos médicos,
chefes e pacientes. Apesar de seus 72 anos de idade bem conservados e pelo menos 30 de profissão, não queria saber de aposentadoria, nem de ouvir falar.
Ficava muito irritada se alguém insinuasse que ela deveria se aposentar, descansar e aproveitar um pouco a vida, porque os anos passam e a gente vai se aproximando cada vez mais do descanso eterno. Falavam-lhe sobre as delícias da vida de um aposentado, passeios, longas viagens, a companhia de outras pessoas alegres e divertidas, enfim, realizar sonhos que há muitos anos acalentava.
A velha senhora tapava os ouvidos para não ouvir. Respondia que ainda estava muito forte para parar de trabalhar e sua eficiência poderia ser comprovada por qualquer um, ali na clínica. Dizia que estava muito lúcida e portanto muito longe o dia que alguém iria chamá-la de "velha caduca" e a aposentadoria poderia esperar. Não seria agora que iria abandonar tudo, _selfmente sabendo que os donos da clínica necessitavam de seus excelentes serviços, gostavam dela, porque era assídua – nunca atrasara ou faltara ao serviço desde que fora contratada e o mais importante: nunca recebera nem mesmo alguma advertência, que pudesse manchar a sua ficha profissional.
Era honestíssima e muito responsável, porém, como não existe ser humano totalmente perfeito, Dona Zenira tinha um grave problema, que perturbava e, às vezes, complicava sua vida e esse problema era a ... Distração !
Realmente este era o único e mais grave defeito da velha senhora e de vez em quando a obrigava a enfrentar situações difíceis.
Certa vez, uma amiga ligou para sua casa e ficou um tempo enorme esperando que ela atendesse, quando quase desistindo de falar, supondo que estivesse ausente, eis que ela atendeu o telefone, se desculpando pela demora:
- Ah ! É você, Clotilde ? Desculpe-me pela demora, mas eu não conseguia achar o telefone. Fiz uma arrumação na casa e acabei amontoando as roupas sobre onde ele estava ...
- Mas Zenira, que doidice é essa ? Como é que você foi esquecer onde estava o telefone ? - quando ele toca, dá pra ouvir.
- Eu sei, mas acontece que coloquei as roupas ontem e hoje já não lembrava mais, desculpe-me Clô, não posso falar com você agora, pois estou com pressa, preciso ir à Ilha Comprida para resolver uns problemas, que apareceram lá na minha casa de praia.
- Está bem, não vou retardá-la, mas depois, na volta, me telefone e conversaremos mais tranqüilas.
Despediram-se e na semana seguinte, regressando da viagem, mal entrou em casa o telefone tocou. Era Clotilde perguntando como tinha sido o passeio na Ilha Comprida e ela aborrecida respondeu-lhe que tinha sido horrível.
- Horrível ! mas, por que amiga ?
- É que o ônibus atrasou e quando cheguei à Iguape já era tarde da noite e como você sabe, por causa da maré, os ônibus que passam na minha casa na praia, não circulam mais. E aí fui obrigada ir à pé..."
- A pé ? mas você é mesmo maluca, são quase dez quilômetros. Não sei como você agüentou essa caminhada. Bem, e daí ?
- Daí que estava muito escuro e eu estava muito cansada, andava, andava não conseguia encontrar a minha casa. Resolvi sentar na areia e descansar um pouco. Estava tão escuro que nem notei havia alguém deitado no chão, ao meu lado – era um velho mendigo, que cansado também, resolvera tirar um cochilo ali. - Mas Zenite, que loucura ! E aí o que foi que aconteceu ?
- Perguntei ao homem onde estávamos e ele abrindo um olho respondeu-me que não sabia nem o nome dele, quanto mais saber onde estavam. Desisti de fazer perguntas ao velho, pois parecia "caduco".
- Estava tão cansada que logo adormeci. E dormi, dormi bonito sonhando com todos os anjos do Céu !
- Que loucura !
- Acordei com o sol na cara e uma inesperada surpresa.
- O que ?
- Você não vai acreditar, Clô, dormi o tempo todo na porta da minha casa.
Estava tão escuro que não percebi.
A amiga duvidou do absurdo.
- Não acredito ! Mas, não estou entendendo, como não achou sua casa, pois defronte existe um imenso transformador de luz. Você não viu ?
- Não vi, não ! É que eu estava tão distraída ...!
- Mas como pode uma pessoa dormir em frente da própria casa e não perceber ?
- É ..., sou mesmo distraída !
- Mas ... isso é o .... CÚMULO DA DISTRAÇÃO ! ! !
Nos gostaríamos de prestar uma homenagem a nossa amiga Maria de Lourdes Fischer (Zenite) que nos inspirou a criar esse personagem tão rico e engraçado. Curtimos sua amizade durante muitos anos até que Deus a levou para animar um pouco o Céu, com suas distrações corriqueiras. Descanse em Paz, Dona Fischer.
Coletânea Estalidos - 2001 Ass.Artística e Literária: A Palavra do Século XXI - Cruz Alta - RS Página 152 e 153
<< Voltar
_________________________________________ _________________________________________ |
site: http://ivanfa.mhx.com.br/