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“Eucléia, a  Camaleoa” 

(conto)

  Ivan Matvichuc  

                                  Toda vez que  abordamos  este assunto, vêm a lembrança   o eterno poder machista, desde os primórdios da existência humana,  onde   os trogloditas  “homo sapiens” impunham suas   másculas   vontades,    dando   bordoadas   nas   frágeis    e    infelizes  companheiras  de  cavernas.  Sociedade  patriarcal  hostil  ao   mundo  feminino,    que     atravessou    séculos    de    história,   mandando   e desmandando  à  seu  bel  prazer. Machismo  estúpido  que   confina e subjuga as mulheres, num desnível humilhante, que impõe condições  e impossibilita sua ascensão social.  Adversidade  doentia, que frusta qualquer  tentativa  feminina  de,  pelo  menos,  se alinhar lado à lado  com  seu companheiro de jornadas e lutarem unidos nas batalhas da    vida.   Troca   recíproca  de  experiências pessoais, que completam e   solidificam o amor entre dois seres, com diferenças físicas, mas com  os   corações   absolutamente   iguais.   Um pouco  de  boa vontade e  humanismo não fazem mal nenhum  aos  “machões de plantão”, pelo  menos   seria   uma   tentativa   desses  pseudos - “mais fortes”,   em  quebrar as correntes do machismo, que os agrilhoam a um  passado psico-genético   e   os  transforma em seres movidos pelos instintos  bestiais, que humilham e denigrem a mulher dentro dessa sociedade, de comportamento desumano e repleta de falsos moralismos.  

                                porém  exceções, com a graça de Deus.  Mulheres  que  não   se   sujeitam  a essas imposições masculinas e vão a luta  para  obter um lugar mais digno nesta pirâmide social. Procuram fazer  de   tudo para estar sempre ao lado do companheiro, mesmo que isso as  obrigue a aprender novas profissões ou se reciclem em outras, para se   nivelar   com   os   homens,   sempre   objetivando  uma parceria   profissional desprendida, que as coloque no lugar que lhes pertence, por justiça e direito,  nesta sociedade machista.  A recíproca deveria ser verdadeira, mas é muito difícil o homem ceder passagem, descer do seu  pedestal e reconhecer os valores femininos, permitindo  que ela se alinhe e lute com ele  em  igualdade  de condições.  Desníveis  salariais,   obstrução  de  cargos  de  chefia, assedio sexual e outras barbaridades   que    poderiam   ser   aqui infinitamente enumeradas,  numa   verdadeira   tese   de  denúncia  de atitudes profissionais não muito simpáticas dos homens em relação a mulheres.

                                     Existem,  porém   mulheres  fantásticas  como  a   que   eu  conheci.  Eucléia, este era o seu nome. Moça nova, bonita,  dona  de um   par   de   olhos    meigos,    que    lembravam   as   profundezas esmeraldinas   da   selva   amazônica.   Porte  pequeno,  afável, face  emoldurada   por   longos   cabelos   negros   azeviche,   lembrando  dançarinas orientais. Dona de um  sorriso cativante,   acentuando o vermelho das curvas insinuantes dos lábios carnudos   e  sensuais,  sempre abertos em franco sorriso, de quem está de bem com a vida.

                                   Nada a abalava. As revezes eram contornadas sempre com os olhos de esperança, num porvir radioso.

                                   Conheceu Adamastor, programador em computação, jovem  franzino,  olheiras  profundas, fruto do seu trabalho, de longas noites   passadas em claro  na   frente  de um computador. Paixão fulminante,  namoro  rápido  e  casamento,  com  convites E-Mail,  consolidando o  amor   de  duas  pessoas  tão  diferentes  no  seu  modo de ser. Ele, o  tempo  todo conectado  no  computador, no  eterno e vicioso acessar do  seu  “mouse”  inseparável,  à   procura   de   novos  “on-lines”  na Internet  de  sua sedentária existência.   Ela, garota nova, ansiosa por  novas emoções,  gostava de sair, passeiar e aproveitar intensamente a  juventude  dos  múltiplos  botões floridos de sua existência, ainda  não desabrochados.  O amor uniu-os no site do matrimônio.

                                       Eucléia assumiu com firmeza adulta sua nova condição de mulher  casada,  agora  com  o  objetivo  de  fazer  Adamastor   feliz.  Começou apaixonando-se pela Informática e entrou  num curso, onde       aprendeu  todos  os  segredos da computação e logo, para satisfação  de  Adamastor,  se nivelou e chegou mesmo a superar o companheiro nos   trabalhos   de   programação. Passava longas horas na frente do computador,   esquecendo-se   da   vida.  Era feliz e conseguia manter  viva e acesa a chama do Amor. 

                                      Um dia porém a felicidade foi interrompida com a morte  de Adamastor,   vitima   de   anorexia,    conseqüência   de   sua   paixão  obstinada e do seu amor desmedido pela Informática. 

                                       Eucléia   não   ficou      por  muito  tempo.  Suas  lágrimas secaram  quando  conheceu   Jesualdo,  jovem e simpático mecânico, dono  de  oficina  na  Barra  Funda,  em   São  Paulo.  Honesto,   sério,    trabalhador, logo conquistou a chorosa viúva, despertando uma nova  paixão na jovem. Um novo objetivo de vida. O desafio de quem nunca vira  em  sua  vida  virabrequins  girando,  ágeis bielas impulsionando motores e ...  pistões no seu eterno vaivém sensual de trabalho.

                                       Enfim tudo que se relacionava com a profissão do moço, que rompeu no altar os negros véus de sua viuvez. 

                                       Novamente, ela aceitou o desafio de vivenciar os sonhos do marido. Tornou-se igual a ele, passando o tempo todo em sua oficina,  suja de graxa e atenta no novo aprendizado. Dedicação  que  comove, aliada  a  um  rápido  curso de mecânica, onde se tornou  “expert” em  motores,   suspensão,   caixa  de câmbio e _selfmente na troca de  óleo do motor,   que   deixava   Jesualdo   feliz   da  vida,   com  a  sua eficiência.   Tratava   bem   os   clientes  e  logo ficou conhecida como  “a melhor  mulher  mecânica  da  Barra  Funda”  e  todos  passaram  a exigir   seus   eficientes   serviços.  Aprendeu   a   dirigir  todo  tipo  de veículo, fosse automóvel, caminhão, ônibus e até trator.  Topava qualquer parada. Segundo expressão popular:  "Era  pau  pra  toda  obra".

                                       A  felicidade,  infelizmente, durou pouco. Jesualdo morreu vitima   da   incompetência  administrativa  paulistana,  dos    órgãos  municipais que não conseguem prever as tão famosas enchentes da   velha   cidade.    Catástrofes   que   podiam   ser   evitadas.  O   jovem mecânico morreu afogado  no  “Buraco  do  Ademar” ( passagem em  desnível sob o Vale do Anhangabau, em São Paulo, local onde vários veículos ficaram submersos durante as últimas enchentes). O governador   paulistano   Ademar   de   Barros   foi  o  autor  desta  obra de  engenharia.

                                       O nosso Jesualdo, dentro do próprio carro e preso no cinto de segurança, foi vitima de sua paixão automobilística, acabando por  “afogar” todos os seus sonhos de felicidade, que teria ao lado de sua jovem esposa, se não tivesse entrado naquele  "maldito buraco".    

                                        Eucléia,    novamente   viúva,  foi  chorar  suas  desditas   e derramar  suas  lágrimas  no  ombro  de  uma  vizinha  amiga,  que   a consolou e a levou  a  freqüentar a igreja evangélica. Pouco  a  pouco foi se empolgando com  a  pregação do  Pastor  Emanuel,  homem  de meia   idade,   alto,   elegante   em   seu  terno preto e discreta gravata italiana,   que   entrou   em   sua   vida  e  em  seu  coração, através de palavras   que   a   emocionavam   até  as  lágrimas.  Assim  um   novo casamento   surgiu   em   sua   vida.  Emanuel convenceu-a a fechar a oficina mecânica e abrir em seu lugar uma nova igreja evangélica.

                               Eucléia dedicou-se ao estudo profundo da Bíblia,  tornando-se catedrática no assunto. Liderou o serviço social da igreja e organizou o Coral Gospel, onde cantava maraviosamente, com voz portentosa,          como  as  incríveis  cantoras  negras sulistas americanas, encantando a   todos,   especialmente   Emanuel,  cada  vez  mais apaixonado pela   jovem  esposa.  O  destino,  porém,  insistia  em  fazer  com  que  suas nuvens negras, prenunciadoras de tempestades passassem enevoando a felicidade do  casal.  Dessa  vez,  o  responsável  foi  o  fanatismo religioso, que provocou a tragédia.  

                                      Num agitado culto noturno e no auge da pregação  religiosa, Emanuel se  empolgou   tanto,  tanto ...  tanto ...  que  caiu   fulminado  por   um enfarto  do  miocárdio,  deixando  perplexos  seus  seguidores e  uma espantada viúva, chorando desesperada pela trágica perda.

                                     É, a vida é mesmo muito complicada.  Esta  história poderia terminar aqui,  se  não fosse a ocorrência de um novo fato auspicioso na vida  da  nossa Eucléia.  Tudo  aconteceu  muito  rápido, durante o enterro  de   Emanuel.  As  dificuldades  de  se  conseguir  um enterro digno para  o  desditoso  pastor evangélico,  tumultuou  novamente  a existência  da  pobre  viúva,  que  encontrou  auxílio  e força do jovem Lourival,  belo  e  garboso  rapaz,  que  se  prontificou  e  se colocou à disposição da jovem desesperançada.  Deu-lhe  forças  para continuar lutando pela vida  e  pouco a pouco foi  se  insinuando com  intenções matrimoniais. Ensinou-lhe  a  fechar  as  portas do Passado, a sorrir...

                                       e ... casaram !                                                                               

                                       - "Ah !   esqueci  de  uma  coisa  importante:  a  profissão do Lourival  

                                        era...   agente funerário”.  

(Antologia da Associação de Escritores de Bragança Paulista – SP  Páginas 45 a 48)  - 

  (Coletânea dos Jogos Florais de Algarve, Silves,  Portugal -  Páginas 75 a 78).

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