(Conto)
Maria de Fátima Queiroz Pinho
Lourival apareceu lá em casa, numa tarde ensolarada, sem qualquer
explicação, vindo sabe-se lá de onde. Era um papagaio falador, barulhento
e muito chato. Tia Fafá, desconfia que era de procedência religiosa, pois
desde que chegou só cantava o Hino "O Senhor é o meu Pastor e nada me
faltará". Isso do nascer até o pôr do sol, para desespero da vizinhança.
Ele sabia se apresentar cantando com voz esganiçada "Louro,
Lourico,
Lourival" - refrão que repetia dezena de vezes até levar uma "porrada no
cocuruto". Depois, um tanto amuado, prosseguia cantando o Hino de louvor
"O Senhor é o meu Pastor...". As cantorias diárias de Lourival causava irritação
em todos os ouvintes. Até Faisca, uma dócil e pacata cadela perdia a paciência
e latia furiosamente, tentando deter os ímpetos religiosos do Louro Lourival.
Não adiantou. Tia Dinga sugeriu uma esposa para o solitário cantor e assim
surgiu na sua vida Ruth Aurora, fogosa e saltitante papagaia, para quebrar a
solidão e diminuir a religiosidade fanática do companheiro.
O papagaio carola não se emendou, continuou cantando com mais ardor.
Nada o refreava, obstinado, tentou até converter sua esposa e fazê-la participar
de suas cantorias. Desejo de formar um duo. Surgiram as primeiras
desavenças conjugais. De vez em quando, ouvia-se um barulho infernal.
Era Louro Lourival pedindo socorro. Estava sendo massacrado com as
violentas bicadas de Ruth Aurora. Aquilo não terminaria bem.
Certa manhã o sol nasceu lindo espalhando calor e alegria na Natureza,
mas o Louro Lourival não cantou, nem nesta manhã, nem outras.
Silêncio sepulcral no poleiro. Uma voz tinha se calado. Tias Fafá e Dinga
correram, mas era tarde. Tragédia ! Louro Lourival jazia morto. Ruth Aurora
furiosa, no seu andar de vai-vém, expressava todo o seu rancor homicida. Não
suportou a cantoria, perdeu a paciência, se revoltou contra a tirania religiosa
do parceiro e o matou depenando com dezenas de bicadas no ... rabo !
Pobre Louro Lourival, jazia inerte no seu macio leito mortuário, de suas
próprias penas. Certamente, a essas horas deve estar no céu dos papagaios
cantando seu melodioso hino.
(Antologia Reverberações - Editora Arnaldo Giraldo, São Paulo - Página 100
ano 2001)
"Conto literário publicado na IX Antologia Internacional Palavras no Terceiro Milênio" da Phoenix Editora de São Paulo - Novembro de 2010 Páginas 110 e 111 ".
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