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"OLGA"

(Conto)

Ivan Matvichuc

Sentado na beira da cama, ele observava pensativamente a penumbra do quarto sendo devassada pelos raios insidiosos do  sol  primaveril,  atravessando as frestas de uma janela  mal  fechada  e  se  insinuando nos  cantos   escurecidos do pequeno cômodo hospitalar.  Réstias  douradas  de  luz iluminavam o rosto emagrecido de uma mulher, emoldurado pelas sombras da morte, lábios imóveis como a chama de uma vela que se apagou e Deus a levou  para  o  eterno  dos  eternos.

                  Estava triste e saudoso daquele ser que tão subitamente partira, naquele dia tão lindo, onde os pássaros insistiam em cantar, louvando os últimos raios de sol, no lusco-fusco  da  tarde  que  morria. Tentava se convencer, que fora melhor para ela, que não sofreria mais nesse mundo de pesares, pois jamais se conformaria, em sua vaidade de mulher bonita e faceira, de viver pela metade, como deficiente físico, contrariando  sua  vontade férrea de viver, sempre com um sorriso aflorando os lábios, ainda mais,  que tinha orgulho de suas lindas pernas, desfilando nas passarelas da moda paulistana e assim de repente, amputaram uma delas, conseqüência de uma gangrena mal curada, que também estava ameaçando  levar  a  outra. 

                 Teria sido castigo de Deus, Por ter sido tão vaidosa, e se julgar eternamente linda e indestrutível ?  Ou seria pelo fato de ter feito muitos homens sofrerem Por sua causa,  na tentativa de conquistar seu Amor ? Foi difícil  responder, mas naquele momento, sentado ao lado de seu corpo inerte, recordou-se dos momentos de cumplicidade, dos mais felizes de sua existência, de uma jovialidade extrovertida, de quem estava de bem com a vida.  Sua  descontração  sempre provocara ciúmes em seu marido, Alexandre. 

                 Brigavam muito. O casamento,  fora muito criticado pela família dele, que não se conformava em vê-lo casado com uma viúva, embora jovem, mas já  com um filho de  um ano de vida. Ele, contudo, enamorado, não deu ouvidos aos apelos paternos e casou-se, contrariando todas as expectativas dos que queriam vê-lo casado com uma moça solteira e descompromissada. São razões  do  coração  que  o  próprio  coração  desconhece. 

                 Mas Olga, tinha um segredo terrível, fechado à sete chaves em seu coração, segredo que por mais bem guardado que estivesse, um belo dia acabaria  se revelando.  E, foi exatamente isso que aconteceu, naquela linda tarde, quase noite, num desses desfiles de lançamento da moda Verão.

                 Um jovem senhor, muito elegante, terno de casimira inglesa de cor sóbria, sentado próximo da passarela, observava atentamente o desfile.  Olga entrou e iniciou a sua caminhada. O senhor, ao olhá-la, teve um sobressalto, à ponto de ficar descompensado, com o coração numa estranha arritmia.

-       " Meu Deus !  É ela ! ...

          Se houve alguma dúvida, ela logo se dissipou pois o susto dela, a  indecisão que passou a marcar seu caminhar e o gesto brusco de quem foge de um olhar acusador. Tudo indicava ser ela. Ela mesma em carne e osso. Acabado o desfile, ele a seguiu e antes que pudesse alcançá-la, ela virou-se e foi ao seu  encontro,  implorando:

-        "Pelo amor de Deus, Francisco.  Não  faça  escândalo !               

-        "Você tem muita coisa para me explicar, Olga.

           Realmente, foram anos sofridos de buscas, procurando-a em todos os cantos da vida. Fatos inexplicáveis à procura de respostas. O início do namoro, o casamento rápido dispensando o noivado. E a  família dele, de imigrantes alemães enriquecidos pelo Ciclo do Café, que não via com bons olhos essa relação amorosa, tão desigual: ele, herdeiro de uma rede de supermercados em Curitiba, ela uma jovem adolescente pobre, de apenas  14  anos.  Tinha  tudo  para  não  dar  certo  e  não  deu.

            O casamento durou exatamente o tempo da  Lua de Mel. A magia foi quebrada, na manhã seguinte, com a inexplicável fuga  da  jovem  esposa.E agora, ali numa lanchonete, Olga tentava justificar o injustificável. Disse que agira assim para obter a sua maioridade. Tinha vencido um concurso de calouros na Rádio Nacional e como os pais não aprovavam, partiu para o casamento e a assinatura do seu primeiro contrato, como cantora. Dali foi fácil enveredar por outros caminhos artísticos,  _selfmente  da  moda.

            Apesar  de  ter  sido  usado  como  "inocente  útil,  Francisco a perdoou, pois a amava   muito   e   pensou   que   ela   voltaria  para  os  seus braços, mas nova  decepção quando ela    revelou  que tinha casado com João,  um jovem músico evangélico,  em  São  Paulo,  iniciando  uma  nova  vida,   ela  no  coral,  ele  no  bandolim.  Francisco  ouvia   tudo  com  a  alma  arrasada.  Olga  continuou   a infeliz  narração  dizendo  que  João tinha morrido, a  deixando viúva-bígama. Porém, não  ficara    por  muito  tempo,  partira  para  um novo casamento e agora vivia feliz, pois amava muito  seu marido Alexandre.

                  Sentindo–se infeliz, relegado ao esquecimento, Francisco retirou-se  para  sempre  da  vida  de  Olga,  que  mais  tarde  teve  a  notícia de sua morte, vítima de acidente  de  carro.   Alexandre,  o  último consorte, viveu o resto dos  seus  anos  "curtindo"  eternas  desconfianças. 

                 Os pensamentos voltaram ao velho quarto hospitalar. Ele continuava observando o rosto da falecida.  Caminhou até a janela para aspirar o ar da noite, envolvido na brisa perfumada pelas flores. Entraram no quarto para levar o cadáver. Ele, num derradeiro olhar, se despede:     

                

- "Que Deus me perdoe alguma censura. Apenas prestei uma homenagem a uma mulher que viveu tão intensamente a vida : Olga, minha mãe... "

 

(Publicado na Coletânea de Poesia & Prosa – "Letras no Brasil"  2001  Taba Cultural Editora – Rio de Janeiro – Páginas 124 a 126).

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