"
PEPITOS "
(Conto)
Ivan Matvichuc
Viajar é deixar as tristezas e os desalentos
da vida para trás e partir para o desconhecido de
nossas emoções. Já diziam os conselheiros
de plantão que convém tomar algumas precauções para que a viagem seja
tranqüila e livre de coisas desagradáveis, que possam prejudicar o bom
andamento dessa empreitada. Será ? O
gosto da aventura e as surpresas inesperadas, que nos esperam nas esquinas da
vida, nos libertam dessa mesmice
cotidiana, que nos prendem aos nossos hábitos
e nos
agrilhoam à
uma existência
vazia de
emoções.
Johnny nunca planejou suas viagens. Era totalmente contrário ao
comportamento metódico e sistemático de alguns turistas, que antes de
empreenderem suas viagens, pensam não
só nos dólares que carregarão no
bolso, mas também nas
roupas de inverno ou verão que terão
de levar e naturalmente falar fluentemente
o idioma do país para onde estão viajando. O velho sexagenário sempre se
descuidou desses detalhes, contrariando todas as expectativas de sua esposa, Fafá.
Estavam
ansiosos para viver novas emoções e conhecer novos recantos paradisíacos, nas
famosas ilhas caribenhas do Atlântico. Viajar com a cara e a coragem, sem se
preocupar em aprender algumas palavras em espanhol, indispensáveis a um bom
entendimento entre as pessoas dessa imensa Torre de Babel, que é esse nosso
mundo global. Para que aprender o espanhol ? perguntava-se o velho Johnny – É
um idioma parecido com o nosso e não vai haver nenhum problema. A comunicação
entre os seres humanos é tão fácil de se estabelecer e para isso temos
os recursos da mímica.
Mal sabia ele que este desleixo acabaria tumultuando a viagem do casal,
aventura que se iniciou no velha Manaus, numa
bela tarde do eterno verão amazonense, onde um ônibus rodoviário, após um
percurso de quase dois dias, os levou até a cidade venezuelana de "Puerto
La Cruz". Foi um trajeto difícil e cercado de pequenos incidentes, que
quase terminaram com a viagem no meio do caminho – seqüestro do ônibus pelos
índios na Reserva Amazônica brasileira, com o respectivo pagamento de pedágio,
pneus que estouraram, pontes em forma de tábuas suspensas em precipícios balançando
as emoções dos assustados turistas
e outros fatos desagradáveis que depõem contra a eficiência do nosso turismo
tupininquim.
Bem, mas o importante é que estavam ali numa das cidades portuárias
mais bonitas da Venezuela e por causa de mais uma das trapalhadas
do velho Johnny, perderam o Ferry Boat que os levaria até a Ilha
Margarita, por questão de poucos minutos. O casal comprou as passagens e
seguindo orientação dos agentes correu na direção do cais, porém Johnny
contrariando todas as expectativas correu na direção errada, ou seja na direção
do estaleiro, onde apenas consertavam barcos.
A esposa correu na direção certa, mas não conseguiu embarcar, porque o
companheiro estava perdido, procurando a ponte de
embarque. Fafá esbravejou,
chorou, mas Johnny justificou-se dizendo que não tinha entendido o espanhol do
agente. Conclusão: teriam de esperar mais quatro horas, sem fazer nada para
embarcar no
outro Ferry.
Johnny lembrou-se que teriam de avisar o hotel na ilha para transferir a
reserva que tinham feito e explicar os motivos desse adiamento. Lembrou-se dos
telefones no "hall" de entrada da pequena estação de barcos e
caminhou até eles. Notou que todos eram automáticos e só funcionavam,
obviamente, com cartões
eletrônicos, aqueles
que ele
não possuía.
Tentou comprá-los, mas
ninguém tinha cartão pra vender, ou o que é mais provável, não entenderam o que ele falava.
No pequeno bar e restaurante anexo à estação conseguiu fazer se
entender, e o dono informou-lhe que esse cartão era obtido diretamente num dos
aparelhos telefônicos do "hall", mas para obtê-lo era necessário um
outro cartão para ter esse acesso. –
" um outro cartão ? ", esbravejou o velho aposentado, perdendo a
pouca educação que lhe restara. - "
Mas, que diabo ! Para conseguir um cartão automático eu preciso obter outro,
que também não tenho. Onde compro essa porcaria de
cartão ? ".
Ninguém lhe respondeu, talvez assustados com a sua atitude e, mais atônitos
ficaram, quando ele num acesso de fúria, começou a esmurrar o pobre e indefeso
aparelho telefônico, que era o menos culpado
nessa estória, nessa confusão tecnológica.
O povo alarmado correu na sua direção e todos gritavam para que ele não
fizesse isso, que era um aparelho do Governo, etc tal, e que o velho poderia ser
preso por estar destruindo um patrimônio público. Fafá, ao presenciar
a nova e inusitada confusão do marido, fechou os olhos e fingiu dormir.
Finalmente, para solucionar a intrincada situação, uma alma caridosa,
percebendo as dificuldades do velho, ofereceu-lhe, graciosamente, um cartão
magnético, que abriria todas as portas do paraíso da comunicação eletrônica.
Mas, a estória não terminou aí,
os problemas continuaram entre Johnny e a recepcionista do hotel, agravados pela
falta de conhecimento total da língua local – nem mesmo o portunhol ele
dominava. Era uma coisa horrível, misto de espanhol e português indecifráveis.
- "Non, non entiendo, senõr ..." dizia a
aflita telefonista.
Ele insistia e a situação
foi ficando cada vez mais tumultuada. Fafá não se contendo
resolveu intervir, arrancou-lhe o fone do ouvido e em "bom português"
explicou à telefonista tudo o que estava acontecendo e ela, por incrível que
possa parecer, entendeu tudo. Mas como ? O enigma não é
tão complicado
assim: a
moça era
brasileira !
Enfim, solucionados os conflitos entre os dois países, os velhos
resolveram aproveitar as longas e forçadas horas de espera que teriam pela
frente e
entraram no
bar-restaurante anexo à
estação portuária.
Estavam com fome e ansiosos para saborear as delícias da cozinha
caribenha, pelo menos um bom sanduíche para
aplacar a
fome. Olharam atarantados para um enorme painel, onde estava o nome de
todos os sanduíches e não conseguiam entender, nem imaginar do que se tratava,
do que eram feitos, pois os nomes em espanhol eram curiosos e não traziam
nenhuma indicação de sua composição, pelo menos
para o entendimento do casal.
Tentaram pelo nome mais bonito e que chamava mais a atenção:
"pepitos", que deveria ser, ao seu ver, uma espécie de bolinho
pequeno de carne ou uma outra coisa qualquer, pequeno e fácil de ser ingerido. Fizeram o
pedido e
o garção entranhou
a quantidade.
- "Seguro, que quieren dos (dois) pepitos, senõr ?
".
- "Si, seguro,
dos pepitos,
uno para
mim e otro para
a senõra ".
O
garção não discutiu mais, retirou-se sacudindo os ombros conformado em
atender e
entender aquele
estranho pedido.
Quando retornou e aproximou-se para servi-los, o casal notou espantado
que se tratava de dois enormes filões de pão, desses de quase um quilo cada
um, recheados de carne frita, alface, cebola, tomate e naturalmente, com os mais
americanizados temperos: Maionese, Ketchup e Mostarda !
Nada daquilo parecia com a coisa pequena que o nome
"Pepito" sugeria. Deveria
ser "Pepitão" ! Rindo, o
velho Johnny indagou a respeito do tamanho do sanduíche "Submarino",
item seguinte da lista de cardápio (o nosso tradicional misto quente)
imaginando como seria a proporção dele em relação ao ora servido
"pepito". Enganou-se,
como se
pode verificar. Tratava de
um sanduíche pequeno, apesar do nome.
O garção diante da perplexidade do casal indagou, timidamente, se
queriam que os sanduíches fossem cortados ao meio, transformando-os
em quatro enormes "pepitos".
Que remédio ! A solução
foi cortá-los, reduzindo ao máximo aquela parafernália gastronômica.
Em seguida, pediram duas Coca-Colas enfatizando a palavra "cola",
para não terem a surpresa de ingerirem apenas "coca"
venezuelana, colombiana ou boliviana, como foi o caso do famoso chá, que a
equipe do São Paulo Futebol Clube tomou quando foi jogar na Bolívia, o que
quase acabou com a carreira profissional do seu goleiro titular. Johnny, deu graças
a Deus que serviram a velha e tradicional Coca-Cola americana, na sua opinião,
ótima para dissolver no estômago toda aquela "sanduíchada
caribenha".
Algumas
horas depois, caminharam lentamente até a ponte de embarque e praticamente
foram os primeiros passageiros a entrar no gigantesco barco de dois pavimentos,
onde uma enorme "boca" engolia
pessoas e veículos de todos os
tamanhos e ao sinal de partida, a enorme prancha foi recolhida se transformando numa
tampa enorme, fechando a
"boca" do "Ferry Boat". Partiu, singrando lentamente as águas
plácidas e azuladas
da baia
venezuelana, em
direção à
bela e
afrodisíaca " Ilha
Margarita ", ou
a popular
" Pérola do
Atlântico ".
O velho casal sorriu aliviado após tantos percalços e problemas, que
poderiam, de uma certa forma, abreviar o bom curso daquela viagem. Fafá, na sua
costumeira postura de conselheira conjugal, advertiu
o companheiro que na próxima
vez tudo
seria diferente. No futuro, esses
incidentes não deveriam se repetir
e que antes de qualquer
viagem ao exterior, passariam longos meses se preparando num bom curso de
idioma, imprescindível para se evitar confusões e situações mal
esclarecidas, _selfmente a de comer os indigestos "pepitos da
vida", por
não saber
pedir outra coisa. Turista esperto
não "mete
a mão
em cumbuca" e
evita sempre conflitos constrangedores, onde quer que
ele vá,
principalmente
quando se
trata de visitar nossos
" hermanos caribeños
".
(Conto
publicado na Coletânea "Entrelinhas" da Associação Artística e
Literária A Palavra do Século XXI – ALPAS
– 2002 - Cruz Alta – Rio Grande do Sul – Páginas 223 a 226).
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