(Fátima Queiroz)
Até hoje, não entendemos a política brasileira, pois é tão cheia de paradoxos e absurdos dantescos, que é inconcebível de compreensão. Não podemos negar entretanto, o seu lado humorístico, que se espalha pela imensidão de nossas terras. Enfim... isso é Brasil!
Naquela calorenta sexta feira, a Vila das Guaribas, pequeno município perdido e esquecido no interior do Amazonas, estava em clima de festa, pois logo mais a noite, aconteceria o último comício do Coronel Marciliano Nunes, candidato à Prefeito da cidade.
O Coronel, aguardava muito nervoso a hora do comício e já havia ingerido duas doses do remédio para sua gastrite nervosa. Esse era seu único vício: remédio para o estômago. Andava sempre com um vidro de Estomatec no bolso e três a quatro vezes por dia ingeria uma dose do mesmo.
Na barbearia do Ataliba, o assunto como sempre, era Política. Parecia unânime a vitória do Coronel Marciliano Nunes, pois o candidato da oposição, seu adversário, o médico cirurgião, Dr. Firmino Nery, que durante a campanha eleitoral, havia efetuado, gratuitamente, grande número de apendecectomias, em seus eleitores, estava perdendo por grande diferença, segundo a última pesquisa. E agora, no momento, seria muito difícil virar o jogo. Mas, em Política, como no Futebol, tudo é possível. E o Deodato indagava : -
- " Então Ataliba, vai ter comício hoje ? Vai ser aonde ? "
Ataliba, como sempre, respondia com aquela negativa reflexiva, sua marca registrada.
- " Num sei... mas vai ter que ter ".
- " Mas, como num sabe homem? Afinal você num é o futuro genro do “Coroné”, candidato à Prefeito ?
- " Num sei... apenas namoro com a filha dele e... pretendo casar ".
Isso era verdade, Ataliba namorava com Aurineide, filha do coronel, há mais de um ano e tanto. A mãe, Dona Mimosa, como o pai Coronel Marciliano Nunes, faziam muito gosto no namoro. E Ataliba sonhava unir o útil ao agradável. Quem sabe, depois de eleito o coronel não lhe daria um cargo político importante? Sempre desejou ocupar uma posição de destaque. De repente, ouviu-se o som estridente de uma marchinha. Era o carro com o alto-falante anunciando o tão aguardado comício:
"Marciliano Nunes,
Nesta pugna eleitoral
E já venceu, e já venceu
A grande batalha
Da eleição municipal”.
À noite, a pracinha estava lotada e todos acenavam com bandeirinhas cantando a contagiosa e animada marchinha. De repente, fez-se silêncio para o discurso do Coronel Marciliano Nunes: - “Povo de minha terra! Esta é a “onzézima” vez que subo neste palanque, para transportar minhas palavras, deste pólo para vosso tão vasto hemisfério...” E o coronel ficou escoando sua eloqüente verborragia por infindáveis minutos, ultrapassando uma hora. Finalmente, após tão brilhante e emocionado discurso, foi aclamado e carregado em triunfo pelo povo. Como era de se esperar, ganhou as eleições. E começou sua administração colocando sua filha Aurineide no cargo de secretária – tesoureira da Prefeitura, Dona Mimosa sua esposa, ficou na chefia do Serviço Social e o Ataliba, como chefe do Setor "Especialista em Saúde", que aliás, não o deixou muito feliz e quando foi parabenizado pelo amigo Venâncio, respondeu mal humorado :
- " Num sei... mas que podia ser um cargo mais importante, podia né?
E as nomeações do coronel continuaram e no final, ele se orgulhava de ter colocado dezesseis pessoas de sua família em cargos importantes e quando era criticado, justificava, que as pessoas da família trabalhavam com mais amor e carinho e além do mais, era uma medida de segurança para o trabalho administrativo. Ainda atendeu a um pedido de sua filha Aurineide, que lembrou do Belmiro, afilhado de uma prima de Dona Mimosa, a Belinha manicura, afinal, afilhado é como parente e o coitado estava desempregado e tinha mulher e dois filhos pra sustentar. O coronel pensou, pensou e falou: - "É... dá-se um jeito, vou "ponhá" ele no cargo de Administrador do Cemitério, tá bom ?
Demóstenes, o farmacêutico, que estava presente não agüentou:
- " Mas Coronel, isso é puro Nepotismo". E retirou-se irritado.
O Coronel abanando a cabeça, calmamente, virou-se para o Ataliba e indagou:
- " Ataliba meu filho, me diga: esse Nepotismo... é remédio pra estômago? “
E Ataliba dando de ombros : -"Num sei... mas pode ser algum "genério" !...
É gente, a política brasileira é um imensurável e burlesco absurdo e sabemos que esse absurdo não acontece apenas no interior, mas também nas grandes cidades, enfim ... isso é Brasil!.
(Conto publicado na IV Antologia Internacional
“Palavras no Terceiro Milênio” da Phoenix Editora de São Paulo – 2004 – Fls.
137, 138 e 139).
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