( Conto )
João Matvichuc
O progresso da Medicina é um fato inconteste e com o passar dos anos, novas descobertas científicas vêm comprovando que caminhamos à passos largos em busca, cada vez maior, de uma longevidade, que nos permita viver mais alguns anos, nessa nossa perene existência terrena. Hoje, vivemos mais e com uma qualidade de vida, que surpreenderia nossos avós, graças ao descobrimento de novos medicamentos, e por que não dizer das plantas que compõem a rica flora brasileira, de onde se extrai a matéria prima _self desses remédios, considerados hoje como extremamente eficazes no combate de algumas doenças que, até pouco tempo atrás, eram consideradas incuráveis.
Apesar do avanço tecnológico, onde a Medicina alopática tem um papel preponderante na cura dos mais temíveis males, o homem incrédulo procura estranhas saídas em outras fontes, buscando no curandeirismo uma solução para seus males orgânicos. Assistimos espantados, neste início de Século, pessoas desesperadas procurando por fórmulas mágicas, que lhes permitam viver de forma sadia e livres das doenças que assolam a humanidade.
O homem sofre física e financeiramente. Não consegue a cura dos seus males porque, geralmente, não tem condições para adquirir os medicamentos, por uma série de fatores que o impossibilitam até mesmo de entrar numa farmácia. Os remédios continuam cada vez mais caros e fora do alcance da população, que fica à mercê da poderosa indústria farmacêutica multi-nacional, onde o interesse das grandes potências estrangeiras e de seus milionários "royalties" falam mais alto.
Johnny era uma dessas pessoas. Reformado, ainda jovem, da Força Aérea Brasileira, curtia os dissabores de uma vida ociosa e frustrante. Sofrera três acidentes aéreos, onde escapara, por milagre de Deus e como recompensa, ganhara fraturas e mais fraturas, reparadas com incontáveis parafusos e placas de platina, que o transformaram num verdadeiro "Cyborg" brasileiro. Foi considerado como "psicologicamente inapto" por uma Junta Médica da Aeronáutica. Infelizmente, não tinha mais condições para voar (segundo os médicos), devido a problemas de caráter nervoso e psicológico, bastante normais para um indivíduo, que escapara da morte por três vezes, em curto espaço de tempo.
Posteriormente, passou a sofrer de reumatismo com terríveis dores nas articulações. Os parafusos infernizavam sua vida. Sofria humilhações nas portas automáticas dos bancos, por onde não conseguia passar, pois era só se aproximar e os alarmes soavam estrondosamente, anunciando grande perigo para o Banco e lá vinham os seguranças com a implacável vistoria. Seus argumentos não convenciam e o vexame era total. Ninguém conseguia entender a situação daquele "homem magnético", que mais parecia um ser extra terrestre, com parafusos e placas espalhadas pelo interior do corpo.
Nos meses de Inverno, o sofrimento de Johnny aumentava, pois padecia de uma artrose infernal no tornozelo direito. Tinha tentado de tudo: remédios alopáticos, ervas medicinais, pajelanças, macumba, medicina oriental (Acupuntura). Nada adiantou, o reumatismo resistia bravamente as vãs tentativas, mesmo as que, de forma paliativa, tentavam atenuar seus padecimentos.
Dona Fafá, sua esposa, sofria com os problemas do marido. E como companheira fiel, dividia os martírios da enorme cruz, que tinha de carregar no Carma da vida. Tão fiel, que comungava dos mesmos males – uma estranha e indesejada bursite no ombro esquerdo. Quando o véu da noite descia escurecendo o lusco-fusco da tarde e o frio implacável das madrugadas chegava, o casal unido em sua dor, gemia junto em dolorosa comunhão. Era preciso pôr um fim naquele sofrimento. Os remédios anti-reumáticos já não faziam nenhum efeito. Era preciso algo sobrenatural, que eliminasse aquele martírio. E é nesse momento que aparecem os "curandeiros de plantão", vizinhos, amigos, aconselhando e prescrevendo os mais variados remédios, na chamada indústria da auto-medicação. Uma vizinha do casal, “especialista” em dores reumáticas, aconselhou-os a procurarem um médico pediatra, que trabalhava com energização.
- "Um pediatra ?" Indagou Johnny estranhando a especialidade do médico.
- "Como um pediatra, vai curar meu reumatismo?".
- "Ele é pediatra, mas uma vez na semana ( as Terças feiras ), trabalha como médico paranormal no seu consultório, gratuitamente".
A vizinha ainda esclareceu, que a cura, das mais variadas doenças, era obtida através de água energizada, ingerida e colocada em forma de compressas sobre o local dolorido. E concluiu: - " É tiro e queda, a dor logo desaparece ! "
Johnny descrente ficou imaginando que tipo de tratamento seria esse, considerando a especialidade do médico e não conseguia atinar como daria uma solução para seus males. Mesmo assim, resolveu arriscar na esperança de ver seu
tornozelo curado, pois a esperança é a última que morre e Johnny tinha fé que alguma coisa boa iria acontecer.
Chegaram ao consultório bem cedo pela manhã, onde foram recebidos por uma atendente de enfermagem, que lhes deu uma senha. Informou que o médico só atenderia à noite, porque havia dezenas de pacientes aguardando, alguns com doenças muito graves (câncer e AIDS), as quais, evidentemente, tinham preferência no atendimento. Todos ali tinham fé de serem curados, graças a água miraculosa e a imposição das mãos daquele santo médico. Sabemos contudo, que água não cura ninguém, a cura vem de Deus e da Fé que depositamos nele. O médico é apenas um instrumento da vontade Divina.
Johnny e dona Fafá retornaram no fim da tarde, quase noite, com as suas respectivas garrafas de água mineral, sem gás. A atendente pediu que esperassem, pois logo o Dr. Munir os atenderia. A recepção estava lotada. Pessoas impassíveis sentadas nas cadeiras, seguravam no colo, suas garrafas de água, aguardando serem chamadas. Não havia lugar vago e por isso o casal ficou aguardando do lado de fora. De repente, vagou um lugar e Johnny entrou na recepção para ocupá-lo. O que sucedeu a partir daí foi hilário. Nesse exato momento em que ele caminhava na direção da cadeira vaga, ouviu-se o ruído de
uma explosão !!! O som parecia de uma bomba, mas não se tratava de nenhum atentado terrorista e sim de uma simples explosão generalizada de todas as garrafas com água. Não dava pra entender o que estava acontecendo, porque era água natural e não gaseificada. Foi um pandemônio !
Imaginem Johnny desfilando na frente das pessoas e as garrafas estourando à sua passagem. Coisa de louco, coisa do Capeta ! Não dava para colocar a culpa no gás, porque ele estava ausente nos frascos plastificados e o mais incrível dessa história é que duas garrafas, curiosamente, não estouraram - a de Johnny e de Dona Fafá. O casal não entendia o que estava acontecendo e pasmos olhavam aquela aguaceira toda.
A recepção ficou inundada e as pessoas perplexas tiveram de sair rapidamente em busca de novas garrafas de água na mercearia do português, defronte ao consultório. Nem é preciso dizer da alegria do lusitano, quando viu o povo todo atrás de sua água. Torceu os longos bigodes, rindo com o inusitado da situação. A desgraça alheia é sempre objeto de pilhéria.
Ficando a recepção vazia, o casal pode ser atendido pelo Dr. Munir, que estranhou a súbita ausência de seus clientes.
- "O que aconteceu? Por que todos sumiram ? "
- "Não, doutor, não sumiram, apenas foram comprar novas garrafas de água, porque as outras explodiram." - Respondeu Johnny, um tanto envergonhado com a sua façanha hídrica, de homem super magnético.
- "Que coisa estranha !" - Retrucou o incrédulo médico olhando para o atarantado e confuso casal. - "Mas entrem por favor e fiquem à vontade “.
Johnny sentou-se numa cadeira, o médico começou a examiná-lo, rodeando-o por diversas vezes e impondo as mãos sobre sua cabeça. Depois de alguns segundos Dr. Munir falou: - "Há um excesso de energia na sua cabeça. O senhor está totalmente desestabilizado, pois há muita energia num só lugar e pouca em outros pontos do corpo...”
Dona Fáfá sussurra no ouvido do doutor : -"É verdade, da cintura pra baixo a energia vai ficando negativa e... - O doutor interrompe: -" Claro minha senhora, o desequilíbrio é muito grande e só água energizada não vai resolver o problema”.
- "O que eu faço doutor ?" - Indagou o aflito paciente.
- "O senhor deve fazer exercícios de Ioga. Eles são ótimos para estabilizar as energias. Procure um curso de Ioga e comece a praticar e breve, muito breve, vai notar uma melhora incrível. Ficará livre dessa terrível ansiedade e as
energias, ficarão mais equilibradas”.
Em seguida, após energizar as garrafas de água, o médico examinou Dona Fafá, aplicou alguns passes sobre o ombro afetado pela bursite e recomendou compressas caseiras com a água energizada, três vezes ao dia.
A mesma, ao sair do consultório, já se sentia curada.
Infelizmente, Johnny não conseguiu resolver totalmente seu problema de saúde. Embora tenha ficado livre das dores reumáticas que o incomodavam, o inchaço sumiu e com os exercícios de Ioga tornou-se mais calmo e menos ansioso, porém o velho problema da energia sexual negativa, mencionado por Dona Fafá, prolongou-se por um certo tempo, até o surgimento do bendito Viagra e a partir daí... foi só alegria !!! ... - Aí constatamos as vantagens da moderna medicina alopática. Um verdadeiro milagre no campo sexual, ressalvados os excessos, mesmo em homens magnéticos..., como é o caso do nosso Johnny.
( Conto publicado na Coletânea “Letras em Cartaz”– 2004
da Editora Cartaz Cartolina de Araruama, Rio de Janeiro – Páginas 39 a 42 ).
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