A
Festa do Cônsul
(Conto)
Ivan Matvichuc
Naqueles saudosos tempos, o jovem policial
Arquimedes desfilava garboso
e elegante, com a farda azul
tergal, adornada de botões dourados reluzentes, engalanada com encordoamento
branco, polainas da mesma cor sobre
sapatos pretos, luvas brancas empunhando comprida espada, presa em cinto de
couro grosso, fechado com fivela dourada encaixada. Faixa de seda verde-amarela
adornada de bandeirinhas metálicas, dos idiomas falados pelos policiais intérpretes.
Muita pompa e sucesso entre as mulheres.
Ele parecia uma árvore de natal ambulante. Ah ! Saudosa Guarda Civil
paulistana da elite dos anos 60. Assim “produzido”, o guarda Arquimedes foi
escalado num clube muito chique. Festa de recepção do novo cônsul inglês.
Salão de festas luxuosíssimo, lustres de cristal brilhando como diamantes,
veludo vermelho revestindo poltronas, tapetes persas e toalhas rendadas de linho
sobre as mesas. Muita porcelana inglesa, taças eslavenas de cristais
brilhantes, com bebidas multicolores. Garções elegantes, orquestra tocando,
casais dançando. Enfim, um luxo só.
Neste clima Arquimedes e seu companheiro Josafá, de longas jornadas,
adentraram e se postaram num canto do salão. Postura correta de soldado
sentinela: fleugmático, ereto, silencioso e absolutamente imóvel. Lembrou-se,
nesse instante, das coxinhas ingeridas no boteco e sentiu seus pulos frenéticos
e ansiosos para se libertar das terríveis cólicas abdominais. Suor gelado
molhando a face, correndo pelas costas febris. Precisava evacuar urgente,
evitando acontecer um mal maior. Correu pro banheiro dos serviçais: pequeno,
sujo, sem luz, sem tampa, muito diverso do WC da elite, embora os excrementos
sejam iguais e nivelem as classes sociais. Fedem do mesmo jeito.
No cubículo escuro, a batalha do soldado se despindo da farda, gala,
cinturão, revólver e espada. Sobe
no vaso para evitar contaminação.
A calça e a cueca caem, a
túnica abre, o revólver é
seguro na mão e o longo petardo
esmaecido pela diarréia segue sua meta final.
Recompõe-se e volta ao salão aliviado e feliz. Não o contorna,
atravessa pelo centro e estranha o comportamento dos convidados. Afastam-se,
perplexos, cedem-lhe a passagem. Alarmado, com gestos frenéticos, o companheiro
Josafá pede pressa e lhe diz:
-
“Arquimedes, pelo amor de Deus, volte rápido ao banheiro, pois a sua espada
está toda suja de fezes”. Arquimedes olhou a espada e notou que sua lâmina
estava toda sapilcada e enfeitada com a lama
fecal. Pois é, no escuro, ele esquecera de levantar a
espada. Voltou, tentou acender a luz, só encontrou fios, uniu-os e a luz não
se fez (Non Fiat Lux), apenas um pequeno e esfumaçado curto-circuito. Limpou
como pode sua espada no corredor e voltou ao salão.
Escuridão total. Confusão reinando. Músicos apavorados guardando
instrumentos, garções procurando velas
e o “maítre” esbravejando pragas pra cima do “irresponsável invisível”,
causador do caos. Arquimedes não se desculpou, tratou de salvar a pele,
escafedendo-se rapidamente dali.
A festa do Cônsul terminou. O desalentado Arquimedes
jurou que nunca mais em sua vida comeria “coxinhas centenárias” nos
botecos da vida...
(conto publicado na Revista "Poder Grisalho" do CEVATI – Centro de Valorização da Terceira Idade" de São Paulo. Revista nº. 20, Ano II, Maio de 2001 Página 59).
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