(conto) Ivan Matvichuc
Lembrava-se daquele dia, como se fosse hoje. Saudades dos Anos 50, quantas diabruras ! Johnny, adolescente inquieto, metido à “botar banca”, gostava de contar prosa de suas habilidades musicais. Fingia ser um grande músico e carregava, como prova disso, uma enorme caixa de violão, esqueleto de madeira coberto de napa preta e forrado de veludo vermelho carmim. Uma lindeza !
Iniciava o bê-a-bá musical, era a sua segunda semana de aula e não sabia absolutamente nada.
Seu cotidiano ia do Conservatório para o curso de inglês, no velho Bexiga. Escondia o violão na biblioteca, mas acabou chamando a atenção. Insistiram para que tocasse, que desse um “concerto”. Todos queriam ouvi-lo. Arrependeu-se amargamente da frase - “sim, eu sei tocar” e de ter botado tanta “panca” pra cima dos colegas. A coisa cresceu, tomou vulto, espalhou-se como erva daninha, ruim de ser arrancada. Suspenderam as aulas e todos se reuniram no teatro para ouvir o desalentado músico. Apavorado com o seu próprio atrevimento e impotente para enfrentar tão inusitada situação, suportou terríveis noites de insônia, onde desesperado, tentou dedilhar três músicas fáceis na Clave de Sol. Dominava precariamente a parte melódica, acompanhamento, nem pensar. Parecia o “plim-plim-plim” das caixinhas de música.
Chegou o grande dia ! Teatro cheio, público impaciente ! Entrou no
palco, sentou-se, pediu uma
estante de partituras e um
banquinho onde
colocaria o pé direito,
para disfarçar o nervosismo e apoiar o violão. Abriu a caixa e sentiu estranha
lufada de vento gélido
vindo da
platéia, um
"oh !" contido
e preso
no peito.
De dentro da enorme caixa negra de
vísceras vermelhas saiu um minúsculo delicado
violão, desses
bem pequenos,
de criança tocar.
Fechou os olhos e sentiu um
suor gelado correndo pelas têmporas,
acentuando o tremor dos dedos impacientes. Dedilhou durante nervosos e
infindáveis minutos o clássico “Tristeza”
de Chopin, “Jambalaia”
da ululante
e saltitante
Rita Pavone
e o
“Feliz Natal” que
anunciou ser uma homenagem
à chegada do próximo Natal (estavam
em pleno agosto !!!).
Executado o
último “plim”,
permaneceu estático ante
aquele silêncio total, sepulcral, absoluto e real.
Nem aplausos, nem vaias,
nada... nada...
Só o
vazio e a
escuridão ! Público
hipnotizado, petrificado e
abismado ante tal procedimento
insólito.
Levantou-se, agarrou a caixa e o instrumento e saiu correndo
rumo ao
banheiro, onde foi se esconder e chorar tristes e amargas lágrimas de um
“concertista” fracassado e cheio de lamentos, pelos seus impulsos hormonais
desenfreados, condutores
do ridículo
das suas
ações intempestivas.
Foi consolado por um professor, recebendo elogios pela sua imensa “cara de pau” e pelo fato de ter conseguido transmitir sua verdade cênica, sem se incomodar ante o ridículo da ação e por ter transformado tudo numa imensa performance de ficção teatral.
Depois desse vexame, Johnny virou ator e graças a Deus: “ex-músico”
...
(Conto publicado na Antologia CAPOSAN-2001 da Casa do Poeta Santanense, de Santana do Livramento-RS – página 36)
<< Voltar
_________________________________________ _________________________________________ |