A DESPEDIDA DE “CHUCHU”

João Matvichuc

 

O ator Luiz Carlos, “Xuxu”, alegre e simpático cego partiu na viagem do Além.

Deixou um enorme vazio em nossos corações, mesclado de saudade e doravante a impossibilidade de compartilhar sua alegria e humor contagiantes. Deixou sobre a mesa o texto de seu próximo personagem São Pedro que, com certeza, interpretaria com o mesmo humor e galhardia de todos seus personagens cênicos. Ficou feliz por ter tido a oportunidade de abdicar o personagem do terrível Rei Herodes de várias temporadas natalinas, principalmente na última, onde, inocentemente, virou de perseguidor a perseguido, na inusitada  caminhada da Sagrada Família, nas areias do deserto, rumo ao Egito, participando como rei na fuga, ao invés de se preparar para se transformar em burrico na cena seguinte, causando um pequeno atraso na troca dos figurinos. Correto seria ele ser o burrinho que carregou Maria e o menino Jesus e não o cruel e desatinado Rei Herodes. Luiz, depois disso, cansou de pedir desculpas, nobreza de seu coração de artista. Claro que foi desculpado.

Artista insubstituível, vamos ter muito trabalho para arrumar outro São Pedro. 

O que fazer, a vida continua.

Deixou-nos um rico e incrível legado de dezenas de personagens. Ficamos sem o Nandinho e suas trapalhadas, personagem assíduo freqüentador de velórios, onde não conhecia o morto, cometia uma série de erros, deixando os presentes confusos e furiosos e na sua oração final encomendando a alma do morto, cometeu tantas barbaridades, trocando nomes, não conseguindo acertar a causa mortis, que foi expulso do local e preso pela polícia. Personagem “bicão” que freqüenta velórios, apenas para comer e beber as iguarias de um enterro de gente rica, sem medir com as conseqüências de seus atos. Esse foi o melhor e mais engraçado papel de sua carreira. Ganhou até uma gravação de pequenas cenas na TV Record Litoral para ser exibida. 

Ficamos também sem o rechonchudo Sancho Pança, companheiro inseparável de Dom Quixote, o cavaleiro da Triste Figura, onde, numa cena memorável, esqueceram de guardar os cavalos de pau na cocheira e foram para o salão da estalagem com os bichos apoiados nas mãos, onde Dom Quixote recebeu a sagração do título de cavaleiro andante. Ansiedade dos atores à flor da pele.

Depois tivemos Luiz no papel de fazendeiro de café, com um texto enorme para decorar, onde o Luiz se saiu muito bem na peça teatral Festa na Roça de Martins Pena.

A sua eterna colega de dança de salão Eli, também deficiente visual, perdeu seu companheiro. Eles dançaram juntos numa gravação memorável que foi postada na YOUTUBE com o título (link) – Cegos Também Dançam – São Verdadeiros Artistas, com mais de 500 postagens.

Artista nato, dono de um senso de humor, incompreensível para um cego, que tem motivos de sobra para não curtir a vida com alegria, ele, ao contrário, estava sempre feliz e sorridente, contagiando todos que o cercavam, a ponto, de ser escolhido através de centenas de votos, como “O Cego Mais Simpático da Baixada Santista”, numa eleição promovida pela Revista Sentidos, editada especialmente para os deficientes visuais. Todos votaram: motoristas de ônibus, de praça, transeuntes, garis, margaridas, torcidas esportivas, amigos, etc, etc . Sua fama cresceu.

Ficava muito feliz quando ouvia os risos e os aplausos do público e sua única preocupação, antes de qualquer espetáculo, era saber se a casa estava cheia. Queria caprichar na apresentação. Merece outra homenagem: uma placa com o seu nome e apelido “xuxú” na porta do nosso teatro na Instituição Braille de Santos. É o mínimo que podemos fazer para homenagear um artista tão ilustre, que dedicou sua vida toda à instituição e sua eterna preocupação de que tudo estivesse bem. Foi eleito também como diretor do Conselho Deliberativo da Instituição Braille de Santos, que ele amava muito. Fica aqui registrada uma solicitação à Instituição para que isso ocorra.

Santo Onofre, o santo protetor dos cachaceiros também foi personagem hilariante que ele magnificamente interpretou na peça “Um Boêmio no Céu”, reencenada por sete vezes.

Santo Antônio, santinho casamenteiro das solteironas encalhadas, na peça teatral “Folias Juninas” foi mais um trabalho brilhante na longa lista de personagens que Luiz interpretou.

Finalizando, vamos falar sobre a outra faceta cênica de Luiz – adorava quebrar as rimas dos cordéis natalinos, que ficavam pontilhadas de improvisos engraçados e inesperados, surpreendendo seus companheiros cênicos. Devemos perdoá-lo pelo brilhantismo de suas atuações que, com certeza, vão prosseguir no Plano Superior, onde re-encontrará seus colegas de palco, artistas como ele, que partiram também de forma inesperada: Iracema, Marcelo, Marcilio, Odete, Olinda e Ivone, todos eram deficientes visuais e o re-encontro produzirá o mesmo efeito da peça teatral “Um Boêmio no Céu”, ou seja, uma bagunça musical na Portaria do Céu, deixando São Pedro que estava atendendo a um chamado de Deus e no retorno ficou  alucinado e muito zangado com a bagunça da turma. Artistas são artistas e seus arroubos e exageros são perdoados.

Meu caro colega e amigo de jornadas cênicas desfrutadas nos últimos quinze anos. Aqui fica nossa homenagem. Vamos rezar sempre pela sua alma e que ela encontre paz e seja iluminada por Deus, nessa sua nova etapa no Plano Superior.

Descanse em Paz e não faça muita bagunça ai. No futuro, qualquer dia, com certeza,  nos o reencontraremos!

 

AMEM!!!

 

João (Ivan) Matvichuc

Professor de teatro.

 

 

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