*
*

 

 

*   
*
*
*
*

“ ROTEIRO   “EUCLÉIA, A CAMALEOA”      

Roteirista Ivan Matvichuc

 

CAVERNA – EXT. – DIA

 

(Homem e mulher jovens estão diante de uma caverna pré-histórica. Ela, uma linda e escultural morena clara, com os cabelos negros compridos, coberta apenas com uma pele animal e ele, um másculo guerreiro, além da pele, porta, brande e bate nela com violência, com um porrete de pedra. Ouve-se gritos, gemidos e sons guturais. De repente, cansada de apanhar, ela crava uma pedra lascada em suas costas. Ele cai desmaiado).

 

MULHER

(VOZ EM OFF – (traduzindo os sons guturais) -  Seu troglodita brutamonte, agora você aprendeu a lição, que em uma mulher não se bate nem com uma flor.

(foge)

 

Surge um relógio de areia, marcando a passagem do tempo. Grafismo com a legenda: “MUITOS SÉCULOS SE PASSARAM...” – (FADE-OUT).  

 

AGÊNCIA BANCÁRIA - MUNDO ATUAL – INT. – DIA

 

(O mesmo casal da era primitiva. Ela, Eucléia, moça nova, morena clara, cabelos longos, sentada em sua mesa de trabalho, com um envelope nas mãos, onde se lê a palavra “SALÁRIO” (PD). Ela, muito contrariada, conta as poucas notas de dinheiro de seus vencimentos.

EUCLÉIA    

(irritada)  

Mas é uma micharia esse meu salário. E o Fernando, que tem o mesmo cargo, ganha o triplo. Tá tudo errado!

(ela se levanta, vai até a mesa  e esparrama o dinheiro dele, até cair no chão)

 

FERNANDO

(espantado)

Mas que é isso, Eucléia, tá ficando louca, mulher?

(ela cada vez mais irritada, não responde e sai da sala batendo a porta).

 

(FADE OUT)

(Surge um calendário de parede e a legenda: “SEIS MESES DEPOIS”).

 

RUA – EXT. – DIA

 

(Rosicleide, bonita moça morena, longos cabelos, 30 anos de idade, amiga de Eucléia, com um convite de casamento na mão. PD no CONVITE). 

 

 

 

ROSICLEIDE

Olhe Lucy, o convite de casamento da Eucléia (mostra) – Ela vai casar com o Adamastor. Sabe, aquele moço franzino, de óculos de lente grossa, que faz trabalhos de Informática?

 

LUCY

Sei, aquele que tem cara de doente.

 

ROSICLEIDE

Pois é, acho que ele ficou assim, de tanto trabalhar. Sei não, acho que ele não vai dar conta do recado. A Eucléia é um fogareiro em brasa. Conheço-a  muito bem e há muitos anos. Mas, não temos nada com isso, eles que se entendam. Vou indo, tchau Lucy.

 

(a amiga se despede e ambas partem em direções opostas – FADE-OUT)

 

QUARTO DO CASAL – PARTE SUPERIOR DO SOBRADO– INT. – NOITE

 

(Eucléia conversa com seu marido Adamastor. Ela deitada na cama, de mini-camisola, mostra sensualmente suas coxas. Ele, sentado no computador, atento no trabalho, não lhe dá atenção. Chama-o para que venha deitar na cama).

 

EUCLÉIA

Vem, Adamastor, vamos  fazer um amorzinho.

 

ADAMASTOR

Agora não posso, preciso acabar esse programa de Informática. Deixa pra depois...

 

 (Ela chateada, ajeita a camisola. Fica alguns instantes imóvel, refletindo. Depois vê uma apostila de Informática sobre o criado mudo, apanha-a e começa a ler e se interessa pelo assunto (FADE-OUT).

 

ESCOLA DE INFORMÁTICA - PARTE INFERIOR DO SOBRADO – INT. – DIA

 

( Eucléia dá aulas de Informática. Muitos alunos, classe cheia).

 

EUCLÉIA

Esse curso avançado vai transformar vocês, meus queridos alunos, em grandes programadores. Eu mesma não sabia nada, agora sou professora e dona dessa escola.

A aula terminou.

 

(palmas dos alunos. Adamastor entra nesse instante na sala de aula e fica orgulhoso do progresso da esposa. OUVE-SE o ruído de uma caixa registradora se abrindo. Ele esfrega as mãos  feliz, com os lucros da escola).

 

ADAMASTOR

Parabéns, querida (aproxima-se dela e sussura em seu ouvido) – O que eu mais gosto é ver você no vai-vem do Mouse. Fico todo excitado.    

 

EUCLÉIA

Comigo ou com o mouse?

 

ADAMASTOR

Com o mouse, é claro. Com quem você pensava?  Agora vamos, que tenho muito trabalho pra fazer em casa (decepção no olhar dela) Eles saem.

(FADE-OUT)

 

APARTAMENTO DO CASAL –PARTE SUPERIOR DO SOBRADO -  INT. – NOITE

 

(Adamastor sai do banheiro envolto em apenas uma toalha. Vai para o quarto vestir o pijama. Eucléia coloca o jantar na mesa).

 

EUCLÉIA

Vem jantar, querido. Estou com muita fome.

 

ADAMASTOR

Agora não, Cléia, preciso fazer um programa de informática, a comida fica pra depois.

 

EUCLÉIA

Depois quando? Você, Adamastor faz dias que não come nada. Quer morrer, homem?

(FADE-OUT)

 

(Reaparece o calendário de parede com a legenda: “Um Ano Depois”)

 

VELÓRIO DE ADAMASTOR – DIA – INT.

Corpo no caixão funerário, cheio de flores, emoldurado por quatro velas acesas e um crucifixo na cabeceira. Eucléia chora e lamenta a morte do marido. Rosicleide e Lucy,  confortam a amiga viúva. Afastam-se um pouco e em voz baixa comentam sobre o acontecimento:

ROSICLEIDE

Não te falei, Lucy. Parece que eu estava prevendo essa morte.

 

LUCY

É verdade, Rosi, a Eucléia nos contou certa vez que ele era muito magro, não comia, só trabalhava e deu no que deu: morreu de anorexia.

 

ROSICLEIDE

E tem mais uma coisa que ela contou (baixa a voz) ele não estava dando mais conta de suas obrigações conjugais e você sabe, ela com aquele fogo todo,  continua com aqueles estremecimentos. 

(demonstra à amiga como eles ocorrem: tremor no corpo todo e a sensação que vai desmaiar. As duas riem. (FADE-OUT.)

 

RETORNO DO CEMITÉRIO – NA RUA – EXT. – DIA

 

(Transitando com seu carro, Eucléia percebe que ele está apresentando problemas mecânicos. Consegue levar o carro e parar diante de uma oficina mecânica. Jesualdo, jovem mecânico, com 30 anos, rapaz bonito, musculoso e simpático, vai atender).

 

 

JESUALDO

Não se preocupe, moça. Daremos um jeito nele, aqui o Jesualdo, dá jeito pra tudo, menos para a morte (dá um sorriso)

(Eucléia observa melhor o porte físico de Jesualdo. Demonstra paixão no olhar.                     

Em seguida, percorre a oficina toda, olhando todos os detalhes do local, se interessa e se detém  diante de um girabrequim de motor funcionando)

 

EUCLÉIA

Como é bonito esse movimento de vaivém, como chama essa peça?

 

JESUALDO

É um girabrequim que movimenta os pistões para cima e para baixo

(faz um gesto demonstrativo com uma das mãos).

 

EUCLÉIA

Que delícia! Fico toda arrepiada

(demonstra um leve estremecimento).

 

JESUALDO

Por que você não aprende mecânica, posso lhe dar algumas aulas.

 

EUCLÉIA

Topo, estarei aqui amanhã, sem falta.

(FADE-OUT)

 

(Reaparece o calendário de parede com a legenda: “Um Ano Depois”)

 

RUA - EXT. – DIA

As amigas voltam a se encontrar. Rosicleide mostra o novo convite de casamento de Eucléia à amiga Lucy).

ROSICLEIDE

Oi Lucy, dessa vez a coisa é pra valer, o novo noivo da Eucleia é forte, másculo, imagino bem dotado (dá uma risada) e com certeza vai dar um jeito na sua carência  (torna a rir).

 

LUCY

Com certeza, amiga.

(FADE-OUT)

  

OFICINA MECÂNICA – INT. – DIA

 

(Eucléia trabalha na oficina do marido. Vários clientes observam seu trabalho).

 

CLIENTE

 (para outro cliente)

É a melhor mulher mecânica da Barra Funda. Quem diria, uma mulher bonita e gostosa!

 

                                                         

OUTRO CLIENTE

Adoro trocar o óleo com Dona Eucléia, ela é tão boazinha!

(Jesualdo orgulhoso observa o trabalho de Eucléia. Ouve-se novamente o ruído de uma caixa registradora se abrindo e a satisfação expressa no rosto do mecânico, com os lucros).

 

JESUALDO

Querida, preciso comprar algumas peças mecânicas no Mooca. Volto logo. (Sai)

FADE-OUT

 

OFICINA MECÂNICA – INT. – NOITE

(aparece um relógio e a legenda: “ HORAS DEPOIS “. Ouve-se barulho de chuva. Eucléia  recebe um telefonema).

VOZ NO TELEFONE

Oi, a senhora é a esposa do Jesualdo?

 

EUCLÉIA

Sou, mas quem está falando?

 

VOZ NO TELEFONE

Aqui é da polícia. Não tenho boas notícias para lhe dar...

 

EUCLÉIA

O que aconteceu?

 

POLICIAL

Seu marido sofreu um acidente na enchente do Buraco do Ademar.

 

EUCLÉIA

Buraco de quem?

 

POLICIAL

Do Ademar, minha senhora, lá no Anhangabaú, Foi vitima de afogamento...

 

EUCLÉIA

Morreu? !!!!   (desmaia)

(o policial continua falando no telefone caído)

 

 

POLICIAL

... e achamos os documentos e o telefone...(VOZ EM OFF).

(FADE-OUT)

 

VELÓRIO  – INT. – DIA

 

(A viúva Eucléia, chorosa, ao lado do caixão de Jesualdo, é consolada pelas amigas Rosicleide e Lucy).

 

 

EUCLÉIA

O que faço da vida agora? E essa oficina?

 

ROSICLEIDE

Não se desespere amiga. Jesus dará um jeito.

 

LUCY

Amanhã teremos culto em nossa igreja e você poderá conversar e receber conselhos do Pastor Emmanuel.

 

EUCLÉIA

Tá bem, irei com vocês.   (FADE OUT)

 

IGREJA EVANGÉLICA – INT. – NOITE

 

(Rosicleide e Lucy apresentam o pastor Emmanuel à Eucléia, Ele, um homem solteiro de meia idade, alto, elegante em seu terno branco e discreta gravata italiana multicolorida, se dirige à Eucléia que, emocionada, começa a chorar. Ele a abraça com força. Ela sente novamente aquele estremecimento. As amigas sorriem).

 

PASTOR EMMANUEL

Minha filha, não se desespere, tenha fé em Jesus e venha conhecer a Verdade, porque a Verdade a libertará.

(sai abraçado com ela)

(FADE-OUT)

 

(Aparece um calendário de parede, virando as folhas dos meses. Legenda: “ALGUNS MESES DEPOIS” ).

 

IGREJA EVANGÉLICA – EXT. - DIA

 

(Noivos saem da igreja e são recebidos com uma chuva de arroz. Ela de vestido branco e ele de terno da mesma cor. Entram no carro estacionado na frente da igreja, acomodam-se).

 

PASTOR EMMANUEL

Foi muito boa sua iniciativa de fechar a mecânica e abrir uma nova igreja evangélica em seu lugar.

 

EUCLÉIA

Estou feliz porque você me deixou dirigir o Coral Gospel. Assim posso aplicar o que aprendi nas aulas de música...

 

PASTOR EMMANUEL

... e também do estudo da Bíblia, que nos leva ao conhecimento da palavra de Deus.

 

 

EUCLÉIA

Mas não vamos falar mais nisso. Agora, vamos pensar na Lua de Mel, não é?

 

PASTOR EMMANUEL

Sim, mas precisamos acertar muitas coisas em relação à igreja, os dízimos, por exemplo...

 

(Eucléia, decepcionada com o marido, continua ouvindo ele falar (conversam gesticulando - ÁUDIO DESLIGADO).

 

CULTO EVANGÉLICO – INT. – NOITE

 

(Eucléia prega o evangelho. Dirige o Coral e canta junto com os coralistas. Emmanuel assiste tudo embevecido e apaixonado. Os auxiliares da igreja passam com a bandeja dos dízimos arrecadados (ouve-se novamente o barulho da caixa registradora se abrindo). Pastor Emmanuel sorri feliz esfregando as mãos, com o lucro obtido. Em seguida, sobe no púlpito e inicia a pregação (SEM ÁUDIO), gesticulando muito. Chega ao auge da emoção, se empolga tanto... tanto... tanto, que.....cai fulminado por um infarto. Eucléia se desespera, corre e cai em cima do corpo do marido, chorando muito).

 

EUCLÉIA

O que faço da vida agora?

(As amigas Rosicleide e Lucy que estavam assistindo o culto, se aproximam dela e tentam consolá-la. Lourival, o irmão de Rosicleide, um rapaz jovem, elegante em seu terno preto e gravata da mesma cor, observa a cena em silêncio, mantendo discreta distância).

 

ROSICLEIDE

Eucléia, não chore mais, a vida é assim mesmo, cheia de tragédias, mas deixa eu te apresentar meu irmão Lourival.

 

(O moço se adianta, cumprimenta Eucléia, com um aperto de mão e continua segurando a sua mão)

 

LOURIVAL

Tenha calma e não se preocupe com as despesas do enterro, pois resolverei todo problema.

 

(Eucléia agradece e Lourival dá-lhe um abraço bem apertado. Eucléia estremece. As amigas sorriem maliciosamente).

 

ROSICLEIDE

Chi, minha amiga Lucy, temos um novo casamento...

(FADE-OUT)

 

SALA DA CASA DOS NOIVOS  – INT. – NOITE

(Os noivos ainda vestidos com os trajes do casamento entram na sala. Ele a carrega. Lourival de terno preto, camisa branca e gravata preta. Ela com traje nupcial na cor lilás. Despem-se em cena aberta. Ela veste novamente a mini-camisola vermelha. Ele seu pijama de bolinhas, que está sobre  sofá.  Ela senta no colo dele e começa a acariciar e beijar seu rosto. Ele a interrompe).

                                                   

LOURIVAL

Querida, precisamos conversar sobre a nossa nova empresa.

 

EUCLÉIA

Está bem, mas não falemos nisso agora. Temos todo o tempo do mundo para tratar de negócios. Agora, só quero fazer Amor. Estou tão carente... Vamos!

 

(os dois vão saindo de cena, em direção ao quarto, adentram nele e fecham a porta.

A câmera tenta acompanhá-los, mas é impedida de entrar e devassar a intimidade do casal, quando a porta é fechada, na “cara” do câmera).  

(FADE-OUT)

 

PRÉDIO ONDE VIVE O CASAL – EXT – NOITE

 

(FADE-IN) - A câmera inicia sua caminhada pela fachada do sobrado, de baixo para cima, até que se detém diante de uma placa luminosa (de néon) bem grande, onde se lê:

 

“AGÊNCIA FUNERÁRIA DE LOURIVAL”

(ouve-se novamente o barulho da caixa registradora se abrindo)

 

A câmera reinicia seu passeio, vai para a direita e desce até a parte superior da porta de entrada, onde se detém e aparece uma  pequena placa, com os dizeres:

 

T H E   E N D

 

(FADE-OUT)

 

 

 

 

<< Voltar 

 

_________________________________________

Indique este Site!

Send for friends!

_________________________________________

site: http://ivanfa.mhx.com.br/