*
*

 

 

*   
*
*
*
*

R O T E I R O   “ NOITE DE NATAL “

roteirista: Ivan Matvichuc

CENA NA MESA DE UM BAR – INT. – NOITE

Johnny, músico da noite, 40 anos, desempregado, moreno, olhos negros, com vasta cabeleira castanha. sentado sozinho num bar, bebe lentamente um copo de cerveja e observa o movimento ao seu redor. Um garção aproxima-se dele e pergunta:

 

GARÇÃO

Seu Johnny, quer mais uma cerveja?

JOHNNY

Sim, quero. Hoje, vou beber todas e esquecer tudo, todas as desgraças de minha vida.

GARÇÃO

Mas que é isso? O senhor ainda é jovem, tem uma vida pela frente...                                    

  JOHNNY (interrompendo)

Vida!!! Que vida? Chama de vida essa porcaria, que só me dá desgostos.

GARÇÃO 

 Calma homem, tudo passa. Hoje é véspera de Natal, dia de muita alegria. Não deve haver lugar pra  tristezas no coração,  mas vou apanhar outra cerveja.

JOHNNY

Tudo bem,vá, mas não esqueça de trazer mais um pacote de guardanapos. Preciso colocar no papel as mágoas do meu coração.                                                  

GARÇÃO (rindo)

O senhor e suas poesias! Vou fazer-lhe a vontade. 

(sai em direção ao fundo do bar)

JOHNNY

(segura o copo e olha tristemente a bebida)

São minhas únicas e fieis companheiras, nunca me traem, como aquela maldita rameira que destruiu minha vida e me deixou nesta solidão (levantando a voz) – Sim, meus amigos hoje só tenho a poesia e a bebida como companheiras (levanta-se segurando o copo)  – Um brinde a todos cornudos deste mundo. Saúde!!!

(ninguém o acompanha, disfarçam e evitam olhá-lo)

(Garção volta com uma cerveja na mão e o pacote com os guardanapos na outra. Coloca a garrafa na mesa de Johnny e abre a cerveja, sorrindo)

GARÇÃO

Calma, Seu Johnny , não se exalte desse jeito. As pessoas reparam e não fica bem para o senhor, um velho freguês nosso, um músico famoso. Não é legal ser objeto de riso das pessoas e...

                                             JOHNNY   (interrompendo o garção)

Famoso!!! Quem, eu? Sou um porqueira, um contrabaixista mixuruco desempregado, abandonado pela banda e pela esposa.

GARÇÃO

Bem, fique calmo, tome sua cerveja e faça suas poesias. Estamos quase fechando, porque hoje é Natal e todos precisam ir pra casa comemorar com a família ...

JOHNNY (revoltado)

Comemorar o que? O Natal, essa merda!!! Sabe, acho que não devia existir Natal pros solitários e desgraçados dessa vida.

(dá  um  violento  soco  na  mesa  e  derruba  a  garrafa  cheia  de  cerveja,  espalhando  os  guardanapos pelo chão.As pessoas ao redor levantam, olham com reprovação  e começam a sair.Johnny,tenta deter as lágrimas que escorrem dos olhos, soluça e diz com voz embargada)

JOHNNY

Eu não tenho mais casa, nem família, não tenho mais nada, tudo por culpa daquela adúltera, que me trocou por um cara vinte anos mais jovem. Maldita megera! Acabou com vinte anos de casamento (chora) Meu Deus! Que foi que eu fiz pra merecer tão cruel castigo?

GARÇÃO  (se agita e vai na direção de Johnny)

Seu Johnny, pelo amor de Deus, que escândalo. É melhor o senhor ir embora e não beber mais. Não se preocupe, coloco as despesas em sua conta, amanhã falaremos, mas agora, vá...                                             

(o garção ajuda Johnny a chegar até a porta. Muito embriagado, sai do bar cambaleando, escorando-se nas cadeiras e nas mesas. Quando chega na porta, tropeça e cai numa poça de água suja na rua, enlameando todas suas roupas.  Levanta-se, sacode as roupas e começa caminhar pela calçada e sua imagem, vai desaparecendo no final da rua.                             

CENA NA CALÇADA DE UMA RUA – EXT. – NOITE

Chove torrencialmente. Johnny fica ensopado, vestes molhadas, coladas no corpo. Caminha cambaleando lentamente, se escorando nas paredes dos prédios e dos murros. As pessoas desviam dele com nojo e olhar de repulsa. A água da chuva escorre pelo seu rosto.

JOHNNY (chorando)

Meu Deus, estou no Inferno! Na noite que Jesus nasceu, só o Demônio me faz companhia. Perdi meus amigos, perdi meus filhos, perdi tudo, tudo por culpa daquele maldito juiz, que deu a guarda dos meus filhos àquela megera, aquela mulher desgraçada que acabou com a minha vida.

(Johnny apóia-se na parede de uma loja de brinquedos toda iluminada com efeites de Natal. Olha para os brinquedos da vitrine da loja e começa a chorar)

JOHNNY

Meus filhos, onde estão?

(começa a passar muito mal e vomita sobre o vidro da vitrine, emporcalhando tudo.   O vendedor da loja irritado sai e o empurra com violência, provocando nova queda na sarjeta. Levanta-se e recomeça sua caminhada cambaleante).

JOHNNY

Meu Deus, onde estou, tenha piedade de mim. Quero dormir e nunca mais acordar... (vai desaparecendo no final da rua)

CENA DA PENSÃO, ONDE SE LÊ NUMA PLACA: PENSÃO NORDESTINAEXT. NOITE - Johnny caminha até a porta da frente e entra, desaparecendo no interior do prédio (corte da câmera). Foco, em seguida,  num corredor comprido , com a câmera em “travelling”, acompanhando a caminhada cambaleante de Johnny, que chega a  porta de seu quarto, onde está afixado o número 13. Entra e caminha no interior de seu quarto, sempre acompanhado pela câmera. Acende a luz. Volta e fecha a porta, sem trancar. Senta na cama e liga o rádio. Ouve-se Roberto Carlos cantando “A Fera Ferida”. Exalta-se e diz:

JOHNNY

Maldita música, me faz lembrar coisas que quero esquecer.  (desliga o rádio. Olha para o criado mudo e vê um objeto de metal brilhante. É uma arma carregada. Olha hipnotizado para ela, confere o tambor, reflete e a deposita novamente em cima do criado mudo. Abre a gaveta e apanha um bloco de papel, pega uma caneta e começa a escrever, durante alguns minutos em silêncio, termina e depois lê o que escreveu:

VOZ EM OFF DE JOHNNY:

Desgraçada Leninha , quando você ler esta carta, não estarei mais vivo. Que Deus me perdoe por este gesto tão extremado. Sei que mereço o Inferno, pra onde vão todos os suicidas. Morro, sem saber, se algum dia, realmente, você me amou, nesses 20 anos que ficamos juntos, mas o que mais me machucou é você ter dito que o Alexandre não é meu filho e sim fruto de uma paixão doida que tomou conta de sua vida. Chego a duvidar que os outros dois filhos são meus ou de outros caras. Que Deus a perdoe por seus desvarios e espero que a minha morte sirva para você se arrepender de seus pecados. Adeus...   (pausa para pegar a caneta e assinar a carta. Dobra e a coloca no envelope, onde escreve o nome dela. Coloca  a carta sobre o criado mudo. Torna apanhar a arma e lentamente leva-a até o ouvido, onde se detém. Puxa o cão da arma, posicionando-o para o disparo. Silêncio total, por alguns segundos. Johnny totalmente imóvel, decidido, dedo firme no gatilho.

Face congelada, olhar fixo no vazio.  Subitamente, a porta se abre, aparece uma moça nordestina sorridente com um prato coberto com um guardanapo cobrindo alguma iguaria. Olha para Johnny e finge não ver a arma, que ele, rapidamente abaixa, desarma o gatilho, com um sorriso contrafeito de criança flagrada em uma travessura. Coloca a arma novamente na gaveta, amassa a carta, joga-a fora e olha para a moça, que lhe diz sorrindo:

MOÇA NORDESTINA

Sr. Johnny, Feliz Natal pro senhor! Trouxe um vatapá baiano porreta de quente. Tá do jeito que o senhor gosta. Coma, antes que se esfrie...

JOHNNY

 Feliz Natal, criatura de Deus! Você é um Anjo que Deus me enviou e que Ele a abençoe em dobro,  porque teu nome é Maria, Maria, a mãe de Jesus.  (enxuga os olhos lacrimejantes, levanta-se e abraça a moça com carinho, que retribui o afeto. Em seguida, caminha até a janela e abre-a. As luzes natalinas da rua invadem o ambiente e ouve-se ao longe uma linda canção de Natal falando que Jesus nasceu...

Fade Out (escurecimento lento) da imagem e o surgimento gráfico da palavra  

 

F I M

 

 

 

<< Voltar 

 

_________________________________________

Indique este Site!

Send for friends!

_________________________________________

site: http://ivanfa.mhx.com.br/